São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Para que exemplos?

JOSÉ RUBENS REBELATTO

Quando a Folha publicou o artigo "Os dados e os doutos", de minha autoria, referente às pessoas que emitem opiniões sobre a educação brasileira sem necessariamente conhecer os dados, não foram citados nomes e também não foram apontados exemplos específicos. Nos dias seguintes, ocorreram fatos que confirmaram ser desnecessária qualquer exemplificação. Os fatos falam por si.
A primeira ocorrência foram as declarações do presidente do Banco Central em relação à gratuidade da educação no sistema federal de ensino superior (Folha/12 de outubro), dizendo ser esse procedimento "que não tem cabimento...". Muito embora o próprio Gustavo Franco tenha tentado esclarecer que não se tratavam de sugestões, mas de simples observações, a reação do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Superior apontou para a inconveniência e para o engano de forma e conteúdo do que foi dito.
O evento poderia ter tido aí seu final, não fossem os lapidares artigos dos professores Hélgio Trindade e Dilvo Ristoff (Mais!/19 de outubro), nos quais examinam a situação contextual dos procedimentos adotados para o ensino superior federal no Brasil e dados relativos ao fracasso das tentativas de privatização nos EUA. Esses dados evidenciam características enganosas das assertivas que comparam as condições do ensino superior brasileiro às de "países desenvolvidos", uma implícita (e constante) referência aos EUA.
Precisamos entender que em vários desses "países desenvolvidos", inclusive nos EUA, o ensino não é examinado dicotomicamente (ensino fundamental versus ensino superior). Mais que isso, é muitas vezes considerado como assunto de segurança nacional, condição inúmeras vezes declarada pelo presidente Bill Clinton.
Tanto é assim que, diz Ristoff, dos 14 milhões de universitários, apenas 3 milhões estão matriculados em instituições privadas. E essa proporção está projetada para ser mantida ao menos até 2007.
Tristes e precisas estatísticas da ONU demonstram que o contingente de indivíduos atingidos pela miséria passou de 17,3% para 22,8% da população mundial. O aumento da população miserável coloca a educação como um pré-requisito necessário à melhoria das condições de vida e da própria distribuição de renda, tornando claro o paradoxo que representa a privatização pura e simples dos processos educacionais.
É necessário enfatizar a observação de que, ao emitir opiniões, líderes e homens públicos tomem o cuidado de fundamentá-las com dados reais. Até porque há que aprender a importância que as decisões tomadas hoje, tocantes ao sistema educacional, terão para o país em um futuro próximo com as chamadas características "globalizantes". Se realmente a utopia for algo que não aconteceu ainda, parece ser fundamental o planejamento das ações que serão implementadas agora, sob o risco de, ao não fazê-las, determinarmos que a utopia representada por um país mais socialmente justo volte a ser aquele sonho inatingível.

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