São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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'Eleição liquida oposição democrática'

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ARGEL

Uma líder feminista em uma sociedade machista. Uma política laica num país cada vez mais islâmico. Uma trotskista no mundo pós-Muro. Uma pacifista em um lugar onde a degola é quase rotina.
Essa improvável combinação existe na Argélia. Atende pelo nome de Louisa Hanoun, 43, e é advogada. Lidera o pequeno PT (Partido dos Trabalhadores) local. Hanoun é um alvo preferencial. Foi presa quando liderava a primeira associação pró-direitos da mulher do país, nos anos 80. A entidade virou partido em 1990.
Ganhou, em junho deste ano, quatro cadeiras no Parlamento. Uma delas é de Hanoun. Na eleição local de quinta-feira, teve 11 mil votos e apontou fraude -o que aliás a FLN, ex-partido único, também fez ontem.
Hanoun é polêmica. Defende o fim da cessão de terras para os "mujahedin", os veteranos da guerra da independência da França (1954-62) -uma verdadeira instituição argelina. A seguir, trechos de sua entrevista:
*
Folha - O que o PT defende?
Louisa Hanoun - A paz. Nesse momento, apenas a paz pode restaurar condições para se fazer política aqui. Tanto que nossa cor é branca (geralmente, o vermelho representa os socialistas).
Folha - Como as eleições de quinta entram nesse processo?
Hanoun - Não entram. Elas são uma total fraude. Representam a liquidação da oposição democrática. Sofremos a supressão de 120 de nossas listas de candidatos. Dois de nossos líderes foram mortos nos últimos dias.
Folha - A culpa foi do governo?
Hanoun - O governo distribui armas aos Patriotas (milícias antiislâmicas), apóia massacres, frauda a eleição e privatiza riquezas nacionais, como o petróleo.
Folha - O que acha de uma saída internacional para o conflito?
Hanoun - Sou fundamentalmente contra. Os governos que nos exploraram durante a colonização agora querem se meter aqui? São mafiosos que querem se aproveitar de nossos recursos.
Folha - E o fundamentalismo?
Hanoun - Vivemos num país muçulmano, é natural que eles sempre ganhem uns 30% dos votos. O apoio à FIS era um apoio contra o governo. Não acredito nessa coisa do perigo islâmico.
Folha - A sra. teme morrer?
Hanoun - Enquanto eu trabalhar, muitas pessoas vão continuar morrendo. Um dia pode ser eu, mas só o trabalho garante minha vida. Não vou viver em áreas protegidas em Argel.

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