São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Fábula da saúde

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Havia certa vez um reino esculhambado, que mantinha sua legislação sob permanente reforma. A tal ponto que os cidadãos já não sabiam se era a mania de reformas que provocava a esculhambação ou se era a esculhambação que conduzia à febre de reformas.
A confusão tinha muitas caras. Uma de suas fisionomias mais perversas era a imagem do doente estirado na maca, esquecido no corredor do hospital. Preocupado, o rei mandou chamar o cardiologista mais famoso do reino. Entregou-lhe os negócios da saúde.
O auxiliar não tardou a tornar à presença de Sua Majestade. Queixou-se de falta de verba. Sentado sobre o cofre, seu colega da pasta das finanças deu de ombros. De resto, dizia-se na corte, a bocas fartas, que o dinheiro da saúde era drenado pela corrupção. Sem estancar a hemorragia, não haveria verba que chegasse.
O maior dos cardiologistas não se deu por achado. Com o aval do rei, criou um imposto novo para complementar o financiamento da saúde. Seguiram-se cenas próprias do reino da esculhambação.
O cultuado cardiologista foi para casa. Seu substituto continuou de pires na mão. O dinheiro arrancado do bolso da patuléia não foi senão para os cofres do ministro das finanças. Os doentes continuaram abandonados no corredor. E o rei observou tudo à distância, com ar de superioridade.
Primeira moral da história: nem tudo o que parece superior é superior.
Segunda moral: "Se os homens foram feitos à imagem de Deus, então o ministro das Finanças, depois do rei, deve ser o homem que mais se aproxima dessa imagem" (Colbert, dono da chave do cofre sob Luís 14, na França).
Terceira moral: no posto de ministro, um médico renomado pode fazer muito mal à saúde.
Quarta moral: em casa que falta pão, todos reclamam e só o contribuinte não tem razão.
Quinta e última moral: imposto bom é o imposto que jamais será criado.

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