São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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Boquinhas e bocarras

LUÍS PAULO ROSENBERG

Dentro do exíguo espaço de um posto de gasolina, representantes do Poder Legislativo estão perpetrando dois ataques à lógica que demonstram nosso atraso em perceber o novo papel da ação estatal sobre a economia.
A primeira bobagem é local. De São Paulo, vem uma hilariante comprovação de que o homem descende do macaco, já que se chegou à mentecapta aprovação de uma lei proibindo o sistema de self-service em postos de gasolina.
Apesar de o governador Covas ter vetado a estapafúrdia medida, a Assembléia derrubou o veto. Indo na sopa dos deputados, a Câmara Municipal adotou o projeto estadual para a capital.
Entenda bem: seria compreensível, ainda que não justificável, parlamentares em época eleitoral procurando atrair votos, mesmo que seja com projetos cosméticos. Guerra é guerra, na busca pela reeleição.
O que me deixa perplexo é que preservar o interesse de uma minoria agredindo o bem-estar dos demais possa render votos.
À primeira vista, a medida teria o sentido humanitário de proteger os empregos de frentistas de postos que seriam eliminados se o freguês abastecesse seu próprio carro. Mas é preciso lembrar também que, ao economizar no custo de mão-de-obra, os postos self-service podem vender a preços mais baratos do que os atuais full-service.
Eu, por exemplo, com o bastante que ganho como consultor econômico, posso dar-me ao luxo de não ficar com cheiro de gasolina nas mãos para economizar alguns centavos no preço do litro da gasolina. Mas certamente vão gostar da idéia os moradores da periferia, nos seus passeios dominicais com o Fusca 68 de seus sonhos, assim como todos os que procuram e merecem que se lhes ofereçam oportunidades de ascensão econômica pelo barateamento dos produtos que consomem.
Não deveria, então, nosso Legislativo preocupar-se mais com os milhares de remediados que poderiam abastecer seus próprios veículos e economizar algum do que defender o interesse de umas centenas de frentistas, que encontrarão um uso mais eficiente para sua força de trabalho, talvez na atividade para a qual se dirigirão os recursos economizados pelo barateamento do combustível?
Em segundo lugar, se é para proibir o progresso em nome do emprego, por que defender apenas os frentistas? Vamos proibir o uso dos caixas automáticos, que desempregam bancários; na mesma linha, abaixo o DDD, ligações interurbanas só com auxílio das telefonistas. Por que não extinguir os supermercados, que permitem a cada cliente encher seu próprio carrinho de compras? Voltemos à velha mercearia, na defesa do emprego de balconistas.
Porém mais grave do que este folclore paulista é o projeto do Legislativo federal de impor a mistura de 15% de álcool ao diesel, beneficiando usineiros pelo aumento da demanda compulsória de álcool a um custo que nem sequer conseguimos dimensionar.
Realmente, não dá nem para calcular a conta de subsídios implícita na decisão, pois, além do álcool ser muito mais caro do que o diesel que viria a substituir, não se conhece o efeito da mistura sobre a durabilidade e desempenho dos motores.
Sob o pretexto de nos proteger da poluição, estupra-se um dos mais sacrossantos santuários da tecnologia mecânica: o motor a diesel. Lembro-me de que, quando no início da década de 80, o governo procurava identificar qualquer alternativa viável à importação do petróleo, jamais conseguimos encontrar aditivo ou substituto para o diesel que não diminuísse dramaticamente a eficiência do motor, uma criação tão perfeita que permanece praticamente intocada há mais de meio século.
Não é possível que nos comportemos como cordeiros perante o pacto de raposas, chacais, lobos e umas poucas borboletas deslumbradas para agredir o bem coletivo, em nome da defesa do emprego. O poder aquisitivo do cidadão, seja quando ele compra gasolina ou quando paga impostos, tem de ser reverenciado pelo governo. E não transferido para grupos privilegiados, sejam eles humildes frentistas ou usineiros abastados.

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