São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Os riscos que a crise deixou

CELSO PINTO

O Brasil perdeu US$ 4,77 bilhões na terça-feira. Pode recuperar alguma coisa, mas dificilmente fechará outubro sem uma perda significativa de reservas.
Essa, contudo, é apenas parte da dura conta deixada pela turbulência nos mercados. Ficaram, pelo menos, quatro consequências complicadas:
1) o forte prejuízo deixado no sistema financeiro criou insegurança, boatos e "empoçou" a liquidez nas instituições de maior porte;
2) fechou o mercado de colocação de bônus brasileiros no exterior, talvez por meses. Se não for compensado por outras fontes, isso pode significar uma sangria nas reservas;
3) subiram os juros dos papéis brasileiros no exterior. Ou o BC também sobe os juros internos, ou pode perder mais dólares;
4) o ágio da privatização deve cair e ficou mais difícil vender participações minoritárias. Isso também afeta o fluxo de dólares.
Em resumo, o Brasil saiu da confusão mais vulnerável e com menos margem de manobra do que entrou. Vamos a cada um dos pontos.
O risco do mercado
Muitos fundos, corretoras e bancos perderam muito dinheiro, especialmente em operações com dólares, juros e títulos da dívida. O mercado ontem estava repleto de rumores e esse foi um dos motivos da queda na Bolsa paulista de 6%, apesar da alta nas Bolsas em todo o mundo.
O temor criou uma paralisia no mercado de CDI, no qual, normalmente, bancos com excesso de caixa vendem recursos a bancos com escassez. O Banco Central não entrou para aliviar.
Alguns perderam porque fizeram operações ousadas, "alavancadas" (quando um investidor toma um financiamento até oito ou dez vezes maior do que o ativo que tem). Outros, contudo, simplesmente seguiram as regras de prudência do mercado e também perderam.
No primeiro caso, como o ativo que garante o empréstimo (títulos, ações etc.) equivale a apenas 10% ou 20% do valor total, cada vez que seu preço cai, o investidor ou banco tem que colocar mais dinheiro (ou "margem").
Quando os preços despencaram terça-feira, em alguns casos a queda foi tão grande que o valor do ativo virou pó e várias aplicações tiveram que ser liquidadas. Nesse caso, o investidor, ou banco, perdeu tudo, ou ainda ficou devendo.
Em certas operações, a liquidação foi automática. O financiador externo, por exemplo, aceita uma redução no valor do ativo até um certo limite. Se a queda ultrapassa esse limite, automaticamente a aplicação, ou o fundo, é liquidada.
Em outros casos, bancos perderam fazendo operações usuais. Se um cliente quer fazer um "hedge" num banco, ou seja, comprar uma posição futura de dólares a um preço definido, o banco faz o negócio e imediatamente cobre o seu próprio risco.
Para isso, o banco não precisa comprar uma posição equivalente a todo o "hedge" que vendeu, mas apenas uma fração, calculada conforme um modelo matemático de risco (consideradas certas variáveis, basta, por exemplo, o banco comprar uma opção futura de dólar equivalente a 30% ou 35% do valor original da operação). A cada dia, conforme a variação da cotação do dólar, o banco vende a opção anterior e compra outra.
Esses modelos são considerados seguros no mercado. Quando, no entanto, o mercado entra em espiral, como na terça-feira, nada funciona. Quando esse banco hipotético foi à Bolsa de Mercadoria e Futuros (BM&F) tentar cobrir-se, comprando outra opção, não encontrou ninguém querendo vender opções em dólares.
Alguns bancos arriscaram e deixaram sua posição de risco em aberto. A maioria, contudo, é obrigada a zerar sua posição de risco a cada dia. Nesse caso, os bancos tiveram que realizar imediatamente o prejuízo.
Prejuízos parecidos aconteceram em outros mercados futuros, como o de juros, e em outras operações baseadas no mesmo princípio. O resultado final é sempre o mesmo: o banco, ou corretora, acaba tendo que assumir de imediato uma enorme perda.
Um banqueiro diz que um grande banco americano chegou a perder US$ 1 bilhão, outro banco americano, US$ 500 milhões. Alguns bancos de investimentos brasileiros perderam muito dinheiro. A boa notícia é que grandes bancos devem ter sido menos afetados. A má notícia é que, sem notícias precisas, os boatos acabam ampliando, sem razão, o tamanho do problema.
O cálculo do mercado é que, apenas no ajuste de margens em operações no mercado futuro de juros, havia um buraco a cobrir de R$ 2 bilhões. A BM&F ontem aumentou as exigências de margens e chamou instituições com posições muito altas, pedindo para que as reduzissem. Tudo isso significa a necessidade de muita gente fazer caixa, vendendo papéis, o que pressiona os preços para baixo.
Não há qualquer indicação de que essa confusão possa levar a uma crise sistêmica. Longe disso. Ela cria, contudo, inseguranças que têm um custo, para o governo e para o mercado.
O risco das reservas
O Brasil perdeu US$ 2,88 bilhões ontem no mercado de câmbio comercial (por onde saem os investidores externos em ações) e outro US$ 1,88 bilhão no câmbio flutuante (aplicações em renda fixa, entre outras), num total de US$ 4,77 bilhões. É muito dinheiro: durante toda uma semana de ataque especulativo contra o real, em março de 95, o Brasil perdeu US$ 6 bilhões.
O mercado calcula que existam uns US$ 2 bilhões em mãos de bancos brasileiros e que podem voltar, ao menos em parte, para o BC. Ainda assim, uma perda líquida expressiva de reservas é inevitável. Ontem ainda havia um movimento de saída de investidores externos.
Isso mostra o tamanho da vulnerabilidade do país a mudanças bruscas de mercado. E joga no lixo a teoria, repetida ao infinito, de que investidores em Bolsa não saem em massa porque, se o fizerem, o preço das ações vira pó. Muitos saem automaticamente, acionados por programas de limitação de perda ou por necessidade de liquidez, a qualquer preço.
A situação do mercado virtualmente paralisou o mercado externo para bônus brasileiros. Essa situação deve perdurar alguns meses, calcula Marcos Camargo, vice-presidente da Salomon Brothers em Nova York, até porque, com o final do ano, as instituições preferem não assumir riscos adicionais para não prejudicar resultados (e os bônus dos executivos).
Um banco americano listava, há alguns dias, 18 operações brasileiras na fila para entrar no mercado, no valor de US$ 2,9 bilhões. A curto prazo, nenhuma delas vai entrar. Como esse banco calcula que o Brasil tem US$ 3 bilhões em bônus vencendo até o final do ano, se não entrar nada, isso significará uma pressão de US$ 3 bilhões nas reservas.
Mesmo que o mercado melhore, três banqueiros ouvidos pela coluna não esperam qualquer captação mais expressiva pelo menos até o início do próximo ano.
O risco dos juros
Os juros dispararam em todos os mercados por uma boa razão. Como a remuneração dos papéis brasileiros no exterior disparou, pressionada pela enxurrada de venda de papéis de instituições com prejuízos, fica difícil evitar um aumento dos juros no Brasil, sob pena de provocar mais evasão de dólares.
Só que este aumento chegaria num momento complicado, pois os juros reais já estão em níveis altíssimos. Além disso, fica difícil o governo permitir uma queda muito acentuada no nível de atividades em 98, com a eleição presidencial.
Também nessa área, ficou ainda mais estreita a margem de manobra. A única genuína boa notícia é a recuperação, por enquanto, em Nova York. Manter o mercado americano com boas notícias pode ajudar bastante na recuperação do mercado brasileiro.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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