São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Leia abaixo texto do discurso de Alan Greespan

Leia a seguir o discurso de Alan Greenspan, presidente do Banco Central dos EUA, perante o Comitê Econômico Conjunto do Congresso dos EUA.

Nós nos reunimos contra o pano de fundo de uma turbulência considerável nos
mercados financeiros mundiais, e minhas observações dirão respeito principalmente a essas circunstâncias.
Precisamos avaliar os acontecimentos recentes contra o pano de fundo do desempenho continuamente impressionante da economia norte-americana nos meses recentes. O crescimento parece ter se mantido forte, e a inflação, baixa e até em queda, apesar de um mercado de trabalho cada vez mais apertado. Nossa economia vem desfrutando de um longo período de crescimento econômico positivo, ligado, não por coincidência, à inflação reduzida. O Federal Reserve se comprometeu a contribuir da melhor maneira possível para prolongar esse desempenho, e vamos observar os mercados econômicos e financeiros atentamente e avaliar suas implicações.
Mesmo depois da reação forte ocorrida em todo o mundo nas últimas 24 horas, as quedas nos mercados acionários nos EUA e em outras partes do mundo deixaram os investidores menos ricos do que eram há uma semana e as empresas confrontadas com um custo mais elevado de capital acionário. Mas, desde que a queda nos mercados financeiros não se acumule, é inteiramente concebível que, dentro de alguns anos, vejamos este episódio em retrospectiva, como hoje vemos o crash de 1987, como uma ocorrência salutar em termos de suas implicações para a macroeconomia.
O crash de 1987 ocorreu num momento em que a economia americana operava com um grau significativo de excesso inflacionário que, pode-se argumentar, foi neutralizado pela queda nos valores de mercado. A economia atual, como venho sugerindo ultimamente, vem recorrendo à mão-de-obra ociosa num ritmo insustentável, movida em parte pelo efeito substancial exercido pela riqueza sobre a demanda. A compressão líquida do mercado nos últimos dias vai tender a reduzir esse ímpeto, fato que deverá ajudar a prolongar nossa expansão comercial que já dura seis anos e meio.
Como já declarei anteriormente, boa parte do aumento nos preços das ações verificado desde o início de 1995 parece haver refletido as revisões para cima das expectativas de ganhos de longo prazo, que deixavam prever uma alta contínua das margens de lucros, que já eram altas, por tempo indefinido. Desconfio que estejamos testemunhando alguma redução nos lucros projetados dos ganhos afiliados no exterior e que os investidores provavelmente também estejam revendo suas expectativas em relação ao crescimento de seus lucros nacionais. Mesmo assim, as bases para um bom desempenho comercial continuam sólidas. Na verdade, os dados relativos a nossa economia nacional nos últimos meses começam a fundamentar a idéia de que o crescimento da produtividade, base para o aumento nos lucros, está começando a aumentar.
Também desconfio que as expectativas em relação aos lucros e aos preços de ações nos EUA tinham mesmo que sofrer um ajuste. As crises das moedas no sudeste asiático e a queda nos preços das ações nessa região e em outras exercem, sim, algum efeito direto sobre os lucros das empresas nos EUA, mas não o suficiente para explicar o recente comportamento dos mercados financeiros. Se não fossem os acontecimentos no Sudeste Asiático, alguma outra coisa teria provocado uma reavaliação.
Embora o crescimento da produtividade pareça realmente ter aumentado nos últimos seis meses, como já observei no passado, é bem provável que seja otimismo demais supor que a dimensão de qualquer aceleração na produtividade será suficientemente importante e persistente para acabar, sozinha, com o desnível entre o excesso de demanda de longo prazo de mão-de-obra e sua oferta. Vamos levar algum tempo até podermos avaliar a extensão da melhora duradoura.
Infelizmente, no último ano, o argumento favorável ao chamado novo paradigma vem mudando lentamente, da idéia mais ou menos razoável de que a produtividade se encontra em aceleração para a visão, menos digna de crédito e que muitas vezes não é afirmada, mas apenas se deixa subentender, de que não precisamos mais nos preocupar com o risco de um possível retorno da inflação. O Federal Reserve não pode adotar uma visão tão complacente de nossas perspectivas de preços. Há muita coisa positiva no desempenho recente da economia americana, mas, como eu já mencionei muitas vezes no passado, as mudanças fundamentais se processam aos poucos, e precisamos avaliar o equilíbrio possível de oferta e demanda para vários recursos produtivos, na hora de tomar decisões de política econômica.
Os recentes acontecimentos nos mercados acionários deram destaque à intensificação das interações entre os mercados financeiros nacionais. A estrutura subjacente do sistema financeiro internacional, baseada em tecnologia, nos possibilitou melhorar consideravelmente a eficiência dos fluxos de capital e dos sistemas de pagamento. Mas essa melhora também fortaleceu a capacidade de o sistema financeiro transmitir problemas em uma parte do mundo para outro, de maneira bastante veloz. Os tumultos recentes constituem um exemplo disso. Acredito que as recentes experiências na Ásia podem nos ensinar muita coisa que poderá ser aplicada para melhorar o funcionamento do sistema financeiro internacional e o apoio que ele dá ao comércio internacional, que tanto ajudou a melhorar os níveis de vida pelo mundo afora.
Embora as economias asiáticas difiram entre si sob muitos aspectos importantes, as origens de seu crescimento espetacular nos últimos anos (em alguns casos, décadas) e os problemas que surgiram recentemente são relevantes, em maior ou menor grau, a quase todas elas.
Após o período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, as políticas econômicas adotadas, que, de modo geral, fomentaram baixos níveis de inflação e a abertura de suas economias, aliadas a altos índices de poupança e investimentos, contribuíram para gerar um longo período de crescimento acelerado, que, em alguns casos, teve início nas décadas de 60 ou 70. Nos anos 80, a maioria das economias na região vivia uma expansão dinâmica. A entrada de capital estrangeiro líquido aumentou, mas, até os últimos anos, era relativamente modesta. O Banco Mundial estima que os fluxos líquidos de dívida de longo prazo, investimentos estrangeiros diretos e aquisições de participações acionárias na região da Ásia/Pacífico chegaram a apenas cerca de US$ 25 bilhões em 1990, mas aumentaram explosivamente para mais de US$ 110 bilhões em 1996.
Uma força importante que ajudou a mover essa expansão foi o boom do mercado acionário mundial nos anos 90. À medida que esse boom avançava, os investidores de muitos países industrializados se viram fortemente concentrados nos securities recentemente mais valorizados das empresas do mundo desenvolvido, cujos índices de retorno, em muitos casos, haviam caído para níveis vistos como pouco competitivos em relação ao potencial de lucros das economias emergentes, especialmente as asiáticas. A diversificação resultante induziu a um aumento acentuado nos fluxos de capital para essas economias. Esses fluxos vieram, em grande medida, de investidores dos EUA e da Europa ocidental. Uma parcela substancial veio do Japão, mais em função de uma busca por lucros maiores do que ao aumento dos preços das ações e dos ganhos de capital nesse país. A alta do iene em meados de 1995 também encorajou um aumento substancial nos fluxos diretos de investimento do Japão. Olhando em retrospectiva, fica claro que mais dinheiro de investimento entrou nessas economias do que podia ser empregado rentavelmente, com riscos baixos.
Desconfio que tenha sido inevitável, sob essas condições de inflação baixa, crescimento rápido e ampla liquidez, que muitos investimentos tenham sido transferidos para o setor imobiliário, com uma ênfase dos setores tanto público quanto privado sobre grandes projetos de construção. É claro que essa é uma experiência que os EUA não desconhecem. Esse patrimônio imobiliário, por sua vez, acabou servindo de garantia real para uma parcela importante dos patrimônios dos sistemas financeiros nacionais. Em muitas instâncias, esses sistemas financeiros não eram fortes e sofriam problemas de padrões excessivamente frouxos de concessão de crédito, regimes fracos de supervisão e capital insuficiente.
Ademais, na maioria dos casos, as moedas dessas economias estavam estreitamente ligadas ao dólar americano. A substancial recuperação vivida pelo dólar desde meados de 1995, especialmente com relação ao iene, tornou suas exportações menos competitivas. Além disso, em alguns casos, a superprodução de semicondutores em 1996 reprimiu o crescimento das exportações, pressionando ainda mais as empresas mais alavancadas.
O que tem sido especialmente problemático nos últimos meses é o chamado efeito de contágio da fraqueza de uma economia que se espalha para outras, à medida que os investidores pressentem -com ou sem razão- vulnerabilidades semelhantes nelas. Mesmo economias como a de Hong Kong, com reservas internacionais muito fortes, contas externas equilibradas e sistemas financeiros relativamente robustos, têm sido gravemente pressionadas nos últimos dias. Pode-se discutir se a recente turbulência nos valores dos ativos latino-americanos refletem os efeitos do contágio vindo da Ásia, a influência dos acontecimentos nos mercados financeiros norte-americanos ou causas domésticas. Seja qual for a resposta -e ela talvez seja "todas as alternativas acima"-, esse fenômeno ilustra a interdependência da economia e do sistema financeiro internacional no mundo de hoje.
Talvez tenha sido inevitável que o crescimento acelerado e impressionante vivido pelas economias da região asiática sofresse um revés ou pausa temporária. Mas não existe razão para que o crescimento acima da média nos países que ainda têm a ganhar com a modernização tecnológica não possa persistir por muito tempo. Não obstante, pode-se prever que as economias de livre mercado e em rápido processo de desenvolvimento possam periodicamente passar por dificuldades, porque os erros de investimento são inevitáveis em qualquer economia dinâmica.
Os fluxos de capital privado podem temporariamente se tornar adversos. Nessas circunstâncias, deveria se permitir a inadimplência das empresas, os investidores privados devem aceitar suas perdas e as políticas governamentais devem visar deitar os fundamentos macroeconômicos e estruturais para a expansão renovada: é preciso permitir que surjam novas oportunidades de crescimento. Do mesmo modo, ao prover qualquer assistência financeira internacional, devemos levar em conta que é desejável minimizar a impressão de que as autoridades internacionais estão sempre prontas para garantir os débitos das empresas nacionais falidas. Deixar de fazê-lo pode levar a investimentos distorcidos e pode, em última análise, desequilibrar o sistema financeiro mundial.
A recente experiência vivida na Ásia traz à tona a importância das operações financeiramente seguras dos bancos e de outras instituições financeiras associadas. Embora o atual tumulto tenha interação significativa com o sistema financeiro internacional, as crises recentes poderiam ter sido melhor contidas se a concessão de empréstimos de propriedade de longo vencimento não houvesse acentuado a falta habitual de correspondência entre os vencimentos dos ativos e dos débitos de sistemas financeiros nacionais que já estavam longe de serem fortes, para começar. A esse respeito, vale lembrar nossas crises de poupanças e empréstimos.
Esta é uma época difícil para os responsáveis pelas políticas econômicas nos países asiáticos. Eles precisam defender-se das pressões domésticas pelo desvinculamento do sistema comercial e financeiro mundial. As autoridades desses países estão trabalhando duro, em alguns casos com auxílio substancial do FMI, do Banco Mundial e do Banco Asiático de Desenvolvimento, para estabilizar seus sistemas financeiros e suas economias.
Os distúrbios financeiros que afligiram uma série de moedas na Ásia não ameaçam a prosperidade dos EUA, como já indiquei anteriormente, mas precisamos trabalhar em cooperação estreita com os líderes desses países e a comunidade financeira internacional para assegurar que suas situações se estabilizem. É do interesse dos EUA e de outros países do mundo encorajar os ajustes apropriados de políticas e, onde for necessário, fornecer assistência financeira temporária.

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