São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Crash global diminui disputa pela CPFL

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo do Estado de São Paulo realiza o leilão da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) na quarta-feira em um clima que era impensável antes da eclosão da crise que abalou as Bolsas em todo o mundo e atingiu em cheio a economia brasileira.
Tanto o número de concorrentes quanto o ágio deverão ser bem menores do que o governo e o mercado esperavam.
Há 12 dias, o secretário de Energia, David Zylbersztajn, avaliava que de 3 a 5 grupos disputariam o controle da empresa.
Na sexta-feira, Zylbersztajn apostava em um cenário com 2 ou 3 concorrentes. Para o governo, interessa um cenário de competição. "Se não houver disputa, a empresa deve ser vendida pelo preço mínimo", disse o secretário.
No mesmo dia em que Zylbersztajn fez sua primeira previsão sobre o número de participantes -21 de outubro- eram vendidas duas distribuidoras de energia do Rio Grande do Sul com ágio recorde (82,62% e 93,55%).
O resultado fez o mercado estimar ágios astronômicos para a CPFL, pelo menos de 50%, o que elevaria o preço das ações que serão leiloadas de R$ 1,77 bilhão para R$ 2,55 bilhões.
O leilão de privatização da Vale do Rio Doce, o maior realizado até hoje no país, arrecadou R$ 3,45 bilhões em maio.
Na sexta-feira, ninguém mais acreditava em um ágio alto. Algumas avaliações ouvidas pela Folha chegavam a reduzir a expectativa de sobrepreço a menos de 10%.
Dois concorrentes
Zylbersztajn se recusa a falar em ágio e se nega a vincular sua avaliação sobre o número de participantes à turbulência que começou em Hong Kong no dia 23. "É difícil dizer o que aconteceria se as condições fossem diferentes."
O mercado acredita mais em 2 do que em 3 concorrentes às 9h30 da quarta-feira, quando deve ocorrer o leilão da CPFL.
Um dos concorrentes é certo: VBC Engenharia, que deve se aliar à Previ e talvez à norte-americana CEA (Community Energy Alternative), repetindo o consórcio que venceu a disputa pela distribuidora gaúcha Centro-Oeste.
A VBC é uma empresa formada pelos grupos Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa. A Previ é o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.
Outros fortes concorrentes, que podem ou não se associar ou nem mesmo participar do leilão, são Light, Tractebel (Bélgica) e CMS Energy (Estados Unidos).
Primeiro teste
A venda da CPFL será o primeiro teste do programa de privatizações depois da crise que atingiu as Bolsas em todo o mundo.
A redução do ágio deve ocorrer porque as condições de financiamento são piores hoje do que eram antes da turbulência começar.
Se pagar mais pelos empréstimos que tomar para pagar a empresa, é óbvio que o comprador estará disposto a pagar menos por ela.
O próprio presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luiz Carlos Mendonça de Barros, previu ágio menor nas privatizações.
Além disso, há o risco específico do Brasil. O maior deles é a questão cambial. Todos os potenciais participantes do leilão pretendem obter empréstimos fora do Brasil, em dólar. Mas se comprarem a empresa, eles terão lucro em real.
Se houver uma desvalorização do real, a consequência será o aumento proporcional da dívida, frente à redução do valor da moeda que eles recebem no Brasil.
Todas essas ponderações estavam sendo feitas na semana passada pelos grupos estrangeiros interessados na CPFL. E continuarão a ser feitas nos dois dias que antecedem o leilão.
Outro fator de preocupação é a possibilidade de a economia brasileira entrar em um período recessivo em razão da alta de juros. Uma recessão levaria a uma menor atividade industrial e a um menor consumo de energia. Em consequência, as projeções de rentabilidade dos potenciais compradores teriam de ser revistas.
O cenário de embate entre os concorrentes ficará mais claro na terça-feira, quando os participantes deverão depositar garantias no valor de 10% do preço mínimo do leilão, ou R$ 177 milhões.
Mas pode haver surpresas até os minutos que antecederem à entrega dos envelopes com as propostas, já que os interessados podem desistir mesmo depois de terem apresentado as garantias.
Problemas previstos
Além das surpresas provocadas pela instabilidade econômica, Zylbersztajn terá de lidar com problemas previstos há muito tempo.
O principal deles é a tentativa de suspensão do leilão na Justiça.
O secretário tinha informações na sexta-feira de que pelo menos seis ações contra a privatização da CPFL já haviam sido iniciadas naquele dia. Nenhuma delas havia obtido liminar, até então.
Amanhã, os departamentos jurídicos da Cesp (controladora da CPFL) e da Secretaria de Energia e a Procuradoria Geral do Estado estarão a postos para pedir a cassação de qualquer liminar que ameace a realização do leilão.
O governo venceu o primeiro embate judicial, ocorrido há cerca de três semanas. O Sindicato dos Eletricitários de Campinas havia conseguido liminar na Justiça de São Paulo que determinava a suspensão do leilão. Alguns dias depois, a Procuradoria do Estado conseguiu suspender a decisão no Tribunal de Justiça.

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