São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Crise antecipa '2ª geração' das reformas

CELSO PINTO
DO CONSELHO EDITORIAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso convenceu-se de que precisa dar uma sinalização mais forte na área fiscal. A idéia é tomar iniciativas e indicar a disposição do governo.
O pacote da "segunda geração" de reformas, que estava sendo preparado para ser anunciado, em princípio, no primeiro semestre do próximo ano, será acelerado. A intenção é apresentar um conjunto coerente de medidas, com substância, o mais rápido possível.
Dobrar as taxas de juros foi uma defesa clássica e previsível para uma situação de sangria progressiva de dólares. Torna mais cara qualquer aposta contra o real e atraente aplicações a curto prazo no Brasil. Não há em qualquer recanto da Terra qualquer taxa de juro em dólar que, nem remotamente, se aproxime dos juros oferecidos hoje no Brasil.
A sangria da semana de turbulência foi enorme. De segunda a quinta-feira, pelos dados dos dois mercados de câmbio, a perda líquida chegou a US$ 7,2 bilhões. Na sexta, o Banco Central entrou recomprando algum dólar. Ainda assim, os cálculos de dois bancos são de que a perda de reservas deve ter chegado a US$ 7 bilhões em outubro.
A primeira reação aos juros altos foi positiva a até a Bolsa fechou com alta de 1,48%. Subir os juros, contudo, é uma linha de defesa que pode se tornar frágil a médio prazo.
O próprio BC sinalizou uma redução gradual dos juros em seis meses, o que é coerente com o calendário político, mas não necessariamente compatível com a necessidade cambial. Quando um país decide defender uma taxa de câmbio num certo nível, renuncia a comandar sua política monetária. Se a taxa de câmbio está sob ameaça, como aconteceu com o Brasil, a taxa de juros tem que ser, por definição, a necessária para defender a paridade desejada.
Lições da Tailândia
Isso, contudo, nem sempre é possível. A Tailândia, em maio, sob um forte ataque especulativo vindo do mercado "offshore", defendeu-se de duas formas drásticas. Os bancos tomaram financiamentos em baht, a moeda tailandesa, para comprar posições em dólares, apostando que, com a desvalorização, teriam grandes ganhos.
O banco central tailandês, então, proibiu empréstimos em baht "offshore" e deixou a taxa de juros chegar ao equivalente a 1.400% ao ano, num país com 4,5% de inflação ao ano (o que relativiza o tamanho dos 43% ao ano no Brasil). Os especuladores tomaram um prejuízo calculado em US$ 1,5 bilhão.
Com o sistema bancário quebrado, contudo, o mercado sabia que juros como este não eram sustentáveis e, dois meses depois, em julho, um novo ataque especulativo desvalorizou o baht.
Em 92, na crise monetária européia, vários países sob ataque elevaram fortemente suas taxas de juros. Na Suécia, a certa altura, os juros de curto prazo chegaram a 600% ao ano. Ninguém conseguiu, no final, impedir desvalorizações de suas moedas, exceto a França -depois que o banco central alemão deixou claro seu apoio.
No caso do Brasil, existem algumas dificuldades para manter juros na lua indefinidamente. O mercado financeiro tomou um forte prejuízo com a queda nas bolsas e nos títulos, e a alta dos dólares e dos juros. Quem tinha empréstimos a longo prazo e os financiava com captações a curto prazo, vai perder com a subida dos juros.
Não há indicações de que os ferimentos tenham sido mortais, mas o mercado saiu da confusão mais frágil do que entrou. O nível de inadimplência já estava muito alto (embora estável). Ninguém duvida de que o mercado possa conviver com juros altíssimos por um certo tempo, mas não indefinidamente. Outra razão de dúvida é o calendário eleitoral que, definitivamente, não combina com recessão prolongada.
Além disso, juros altos têm um enorme impacto fiscal. O economista Raul Velloso calcula que cada ponto adicional de juro real custa R$ 1,6 bilhão, ou 0,2% do PIB. Se a subida de juros reais de 22 pontos durasse todo um ano, custaria R$ 35 bilhões, ou cinco CPMFs, ou 4,4% do PIB.
Bola da vez
Tudo isso apenas ilustra o óbvio: que juros na lua são uma defesa temporária. Se a desestabilização foi provocada por fatores exógenos, limitados, sua eficácia é total. No caso do Brasil, contudo, houve uma combinação de fatores.
Ao mesmo tempo, quedas mundiais nas bolsas provocaram vendas maciças de investidores externos e mais pressões de saída de dólares. No ambiente de incertezas, houve pânico, o que também forçou o mercado de dólares.
Não houve, propriamente, um ataque especulativo clássico contra o real, embora tenha havido especuladores apostando durante o processo.
A origem dos problemas, contudo, não foi só a turbulência externa. Muito pelo contrário.
Há muito tempo o mercado convenceu-se de que o Brasil tem um câmbio sobrevalorizado e uma trajetória insustentável, a médio prazo, nas contas externas. Depois das desvalorizações na Ásia, todas as atenções voltaram-se para o Brasil. Enquanto o mundo estava sinalizando ganhos financeiros extraordinários, tudo bem. Quando o vento mudou, pesou o fato de o Brasil precisar US$ 50 bilhões este ano e uns US$ 60 bilhões no próximo.
O Brasil virou a bola de vez e sofreu o primeiro teste. Muita gente acha que, enquanto George Soros, o megaespeculador de Nova York, não desembarcar no Galeão, o Brasil está salvo. É um engano. Antes de entrarem os fundos especulativos ("hedge funds") como o de Soros, é preciso haver uma corrida local por dólares. Os especuladores entram quando a partida já está quase ganha.
Vale para o Brasil? Dois banqueiros paulistas estiveram, há um mês, em Nova York conversando com vários "hedge funds". Todos acompanhavam o Brasil com redobrada atenção e achavam que havia boas chances de uma desvalorização do real.
Ainda não foi, contudo, desta vez que eles vieram em massa. Embora pelo menos um banco tenha identificado posições especulativas externas em dólares, para janeiro, na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F).
Espalhou-se o mito que o Brasil é imune a ataques externos porque não há como o especulador se financiar em reais. Bobagem. Neste caso, por exemplo, as posições se fizeram de forma simples. O investidor externo dá dólares lá fora para um banco estrangeiro com filial no Brasil e recebe dele um depósito equivalente em reais aqui. É uma troca, um "swap", que se desfaz no final. Existem limitações de valor em operações deste tipo, mas é bom lembrar que, no mercado futuro, basta depositar margens que são uma fração (uns 20%) da posição total.
Um arsenal de defesa
O BC, como era de se esperar, montou um arsenal de defesa em todos os mercados. Vendeu dólares à vista. Pelo menos um banco identificou o Banco do Brasil vendendo pesado dólares no mercado futuro (provavelmente em nome do BC). Banqueiros identificaram uma súbita e bem-vinda liquidez nos papéis da dívida ("Bradies") nos mercados internacionais, atribuída ao BC, através de intermediários. O BNDES entrou pesado comprando ações nas Bolsas.
Além disso, o BC deu liquidez ao mercado. Na sexta, recomprou R$ 4,9 bilhões em títulos federais e vendeu apenas R$ 800 milhões para cobrir um resgate de R$ 6,7 bilhões na segunda, injetando mais R$ 5,9 bilhões.
Toda esta linha de defesa é justificável, ajuda a acalmar, mas tem seus limites. Com tudo isso somado, perdeu-se uns US$ 7 bilhões em reservas -e isso sem um ataque especulativo clássico.
Existem várias conclusões a tirar. A curto prazo, os juros na lua devem fazer efeito, reverter a sangria e acalmar os ânimos. O Brasil, contudo, continua sob observação. A menos que os mercados externos, especialmente Nova York, subam expressivamente nos próximos meses, o risco de haver novas turbulências, detonadas ou não por confusões externas, continua a existir.
Aí entra a importância da sinalização fiscal. Se os juros na lua são uma arma eficaz a curto prazo, mas que não pode durar indefinidamente, a sinalização de um ajuste fiscal mais forte seria muito mais importante.
O economista Rogério Werneck, da PUC do Rio, um dos que têm ajudado nas discussões da nova fornada de reformas estruturais, tem uma boa definição do que é preciso fazer. "Este governo mostrou, até agora, excesso de aversão ao risco político (por não votar as reformas) e excesso de gosto pelo risco econômico", diz. Esta turbulência mostrou que, no final, o risco econômico acaba virando um risco político. Melhor, portanto, assumir de vez o risco de votar velhas e novas reformas fiscais.
Quem falou com o presidente depois da confusão diz que ele está disposto a encarar o dragão fiscal, para não ficar exposto, mais à frente, a mais um efeito-dragão financeiro.
Funcionaria? Só o tempo poderia dizer. Certamente, contudo, aumentaria as chances de sucesso. Dar dólares ao mercado e subir os juros são reações clássicas, de livro-texto, a instabilidades cambiais. Podem funcionar em emergências, mas não garantem, isoladamente, que o jogo será ganho.
Quem perde na CPFL
Os trabalhadores, pelo menos os da CPFL, também perderam dinheiro na Bolsa. O edital previa a venda (prevista em lei) de 10% das ações, no leilão de quarta-feira que vem, com 40% de deságio. Só que a queda da bolsa comeu o deságio e deixou um prejuízo: os trabalhadores ficaram com o direito de comprar lotes individuais por R$ 33.005 no leilão, de ações que valem, hoje, R$ 30.848 na Bolsa.
Estão tentando negociar uma mudança no edital, alegando "fato relevante", para preservar o espírito da lei (de dar aos trabalhadores direito de ter as ações com vantagens). O secretário de Energia de São Paulo, David Zilberstajn, não topa: diz que acabaria obrigando a adiar o leilão. Pode virar mais uma ação contra o leilão, que se juntaria às 15 que já existiam na sexta.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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