São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Crash muda caráter de visita de Menem

ELIANE CANTANHÊDE; DANIEL BRAMATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para embaixador argentino, modelo econômico de Brasil e Argentina pode acirrar problemas sociais

A visita do presidente da Argentina, Carlos Menem, ao Brasil deveria ser apenas protocolar, mas ganhou nova dimensão política com o crash internacional das Bolsas. Os dois países, principalmente o Brasil, estão entre os mais afetados. Menem chega no próximo domingo, fica em Brasília na segunda-feira e vai com o presidente Fernando Henrique Cardoso para São Paulo, na terça, para encontros com empresários nacionais.
Ele vem 27 dias após o presidente dos EUA, Bill Clinton, 14 depois de sua expressiva derrota nas eleições parlamentares na Argentina e 13 após o início da crise das Bolsas.
Brasil e Argentina adotam políticas econômicas semelhantes, com controle do câmbio e dos juros e um programa agressivo de privatizações. Enfrentam problemas sociais e desemprego.
Por isso, o novo embaixador da Argentina no Brasil, Jorge Hugo Herrera Vegas, disse em entrevista à Folha seu temor de que o modelo econômico dos dois países possa acirrar as disparidades sociais.
Diplomaticamente, ele diz que o Brasil não tem lições a tirar da derrota eleitoral de Menem. Mas admite "o famoso efeito Orloff" -o que acontece num dos dois países acaba se refletindo no outro.
"Pela minha experiência, o efeito Orloff existe", disse, enumerando os pontos comuns da política econômica de FHC, que vai disputar o segundo mandato em 98, e Menem, que já está no segundo. E deixou claro que, num primeiro momento, tudo foi fácil. O difícil veio depois. Ele resume o modelo dos dois países: "Um modelo baseado em diminuição do tamanho do Estado, privatização, uma economia guiada pelo mercado e não pelas decisões de funcionários públicos".
"A primeira etapa é fantástica. Ao superar a inflação, renasce o crédito. As pessoas podem trocar sua geladeira e seu carro, o consumo aumenta, vem uma euforia muito grande. E, com ela, uma grande popularidade dos líderes que conduzem o processo, caso de FHC e de Menem no primeiro mandato", continuou.
Depois, aos poucos, as coisas vão mudando. "Primeiro, um aumento do desemprego, porque as empresas geralmente trocam pessoas por equipamentos. Depois, uma tendência forte de concentração de renda, que deve ser enfrentada por modificações nos sistemas fiscais dos países", diz.
Herrera Vegas contou que, ao apresentar suas credenciais ao presidente brasileiro, em 26 de agosto, FHC lhe fez uma espécie de desabafo. E reproduziu o diálogo:
Vegas: "O sr. tem que ficar contente, porque tem um grande apoio político justamente para o sucesso do Plano Real".
FHC: "Esse não é o meu problema. O meu problema é mudar a estrutura da distribuição de renda no Brasil para fazer um país mais equitativo, porque é um dos países mais injustos do mundo".
"Eu não tinha pensado nisso. É uma das coisas que podem ser agravadas pelo tipo de modelo que estamos adotando", admitiu, na semana passada, o embaixador.
Quem corre mais
No caso das Bolsas, a expectativa inicial no Brasil era a de que a Argentina estivesse mais vulnerável. Motivo: adota um sistema de paridade um a um com o dólar, como em Hong Kong, estopim da crise.
A expectativa, porém, não se confirmou. A Bolsa de Buenos Aires fechou sexta-feira com alta de 4,34%. A de São Paulo foi uma das principais perdedoras no mundo e fechou a semana com uma recuperação modesta, de 1,48%.
Na comparação, Argentina tem uma economia mais sólida, com um crescimento previsto para este ano em torno de 8%. Já o Brasil crescerá no máximo 4%.
Em compensação, o desemprego na Argentina está por volta de 16 a 17%. O do Brasil é alto na Grande São Paulo (em torno de 16%), mas não chega a 7% em nível nacional.
Herrera Vegas gosta de contar uma historinha, na qual dois caçadores estão na selva e avistam um tigre faminto. Um deles calça as botas. O outro ironiza: "Se você acha que vai correr mais do que o tigre está completamente louco". Ao que o outro retruca: "Só preciso correr mais do que você".
Entretanto, quando a Folha lhe pergunta qual dos dois caçadores é o Brasil e qual é a Argentina, ele não ri. Limita-se a dizer que "tanto Brasil quanto Argentina têm maturidade para escapar desse problema (a crise das Bolsas)".
Segundo o embaixador, a derrota eleitoral do partido de Menem, o Justicialista, vai ter efeito "zero, zero" na política econômica interna e na prioridade que o país dá à consolidação do Mercosul.
Nem Graciela Meijide, da Frepaso (Frente País Solidário), nem Raúl Alfonsín, da UCR (União Cívica Radical), fizeram discurso contra uma coisa ou outra durante a campanha eleitoral. Ambos são pré-candidatos da oposição à sucessão de Menem em 1999.
Herrera Vegas descarta a hipótese de Menem chegar frágil ao Brasil. "Não acho que o prestígio de Menem entre em declínio. Evidentemente, somos seres humanos e a política não é uma ciência exata, mas Menem vai ser lembrado como um dos presidentes mais importantes do século 20 na Argentina. Ele transformou o país."

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