São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Após o pânico

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Há uma canção de jazz dos anos 50, chamada "Que diferença um dia faz" ("What a difference a day makes"), que foi um grande sucesso na voz de Dinah Washington, e que diz poeticamente como um único dia pode fazer toda a diferença no mundo. Os dias desta última semana, comparativamente, vão fazer grande diferença, pois superou-se a barreira do pânico e o abalo na confiança dos mercados financeiros foi significativo.
Até a semana passada ainda era possível alimentar a esperança de que a crise que começou na Ásia pudesse ser circunscrita àquela região. Mas logo se verificou que isso não era assim. A crise nos pegou em cheio.
A elevação da taxa de juros pelo BC e a possível utilização de fundos previdenciários oficiais e do BNDES para sustentar a Bolsa são ações para defender o país contra a especulação cambial que agravaria mais a situação. Em meio a uma forte tempestade no mar, não se agita mais o barco, diz a sabedoria popular. Nesse sentido, cabe ao BC agir para acalmar os mercados.
No entanto, a forte elevação da taxa de juros básica trará custos bastante elevados, tanto para a economia como para as contas públicas, fazendo aumentar o déficit público, que, no final das contas, será pago por todos nós.
A subida dos juros por si só causa complicações importantes ao setor privado, pois leva a liquidações de contratos futuros, maiores custos e dificuldades de refinanciamento das dívidas que vencem. O valor econômico de muitos bens e serviços é alterado e isso pode significar a perda de lucratividade de muitos investimentos.
Resta esperar para ver a extensão do estrago. As perdas das instituições que operavam muito alavancadas no crédito ainda são desconhecidas e não se sabe se o BC agirá no sentido de "socializar" essas perdas ou não. Mas cabe registrar a responsabilidade tanto dos economistas do governo quanto de diversos analistas financeiros que insistiam que estávamos no melhor dos mundos e que não teríamos mais crises como a atual. Fizeram a apologia fácil do direito de viver perigosamente.
Somando-se as perdas patrimoniais nas Bolsas, o abalo na confiança e as dificuldades de refinanciamentos externos, não se pode mais dizer que as repercussões da crise serão passageiras. Ao contrário, teremos um bom período de dificuldades econômicas pela frente.

Álvaro A. Zini Jr., 44, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP.

Texto Anterior: Juro alto deixa lojas de móveis surpresas
Próximo Texto: Crash global faz cotações dos títulos da dívida externa recuarem até 17%
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.