São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Para Galbraith, crise asiática serviu para NY realizar lucros

"As cotações permanecem superestimadas", afirma o economista

ENIO CARRETO
DO "IL CORRIERE DELLA SERA"

Não se deixe enganar pela recuperação do índice Dow Jones, o principal indicador do mercado nova-iorquino de ações. A verdade é que desde o início do ano Wall Street nos deu uma de suas recorrentes manifestações de loucura financeira.
A avaliação é do economista norte-americano John Kenneth Galbraith, que conclui: "As cotações permanecem superestimadas, mesmo depois das perdas dos últimos dias".
A reprise da segunda-feira de outubro de 87, na semana passada, não surpreendeu o economista. "Há dois séculos cometemos os mesmos pecados de voracidade e insensatez."Para ele, o que aconteceu terá o efeito de deprimir a economia norte-americana.
Quem tinha dinheiro investido na Bolsa para duplicá-lo, para poder comprar a casa própria ou mesmo o carro, não vai comprar mais. A seguir os principais trechos da entrevista.
*
Corriere - A que o sr. atribui a recuperação das ações em Wall Street?
John Kenneth Galbraith - A vários fatores. A Europa segurou bem o golpe, e isso tranquilizou os americanos. O presidente do Federal Reserve (o banco central norte-americano), Alan Greenspan, um veterano do crash de 1987, mostrou aos operadores que sabe o que tem de fazer.
E, como frisou o presidente Clinton, nossa economia, por enquanto, permanece forte. Mas não tão forte a ponto de justificar os níveis alcançados pelo índice Dow Jones.
Corriere - O sr. então não concorda que a culpa pela queda de segunda-feira passada, em Wall Street, tenha sido de Hong Kong e dos tigres asiáticos?
Galbraith - De modo algum. Essa é uma tese que atrai aquelas cabeças que, em geral, são vazias. A crise na Ásia foi uma desculpa, engatilhou uma crise que, mais dia menos dia, aconteceria. Via de regra, uma crise na Ásia significa um deslocamento maciço de capitais para Wall Street, que para os estrangeiros representa um refúgio.
Corriere - Mas as reações em cadeia não seriam também um efeito da globalização?
Galbraith - Globalização é um termo que eu não uso. Não é um conceito sério. Nós, os americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países. E para tornar respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causa de graves problemas.
Corriere - O sr. estaria dando razão à Malásia, que apontam financistas como George Soros como os responsáveis?
Galbraith - Isso não. A Malásia e alguns outros tigres asiáticos têm de fazer o próprio ato de contrição: adotaram o nosso modelo financeiro sem ao menos terem os nossos meios.
Entendo que um terremoto financeiro nos principais mercados do Terceiro Mundo tenha repercussões nos mercados irmãos, como a América Latina. Mas não há motivos para se repercutir em mercados avançados da Europa e nos EUA.
Corriere - Mas algumas multinacionais e alguns bancos norte-americanos, particularmente expostos na Ásia, vão registrar uma queda dos lucros.
Galbraith - Isso sim, ainda que não seja uma queda dramática. A queda mais grave será para multinacionais e bancos japoneses. E já que há uma certa interdependência entre Nova York e Tóquio, no fim nós também sentiremos as repercussões. É um dos motivos que me fazem acreditar que os anos das vacas gordas estão terminando.
Corriere - Quais são os outros motivos da deflação que estaria para atingir os EUA?
Galbraith - Citarei um, os investimentos. Todos poderão verificar, sofrerão uma redução. Isso não acontecerá do dia para a noite, mas, aos poucos, a indústria vai se tornar mais cautelosa. Se não se der em alguns meses, ao cabo de um ano a deflação será uma realidade, até porque provavelmente a Ásia estará nas mãos da recessão. É a lição do crash de 87: depois vieram os anos das vacas magras.

Tradução de Roberta Barni

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