São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Globalização convive com subsídios à tecnologia

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O assunto dominante é a crise financeira, mas a saída possível para cada país depende de fatores de longo prazo, como o domínio de novas tecnologias. Num momento em que muitos se perguntam como seria possível definir um modelo de desenvolvimento diferente, menos "dependente", apesar da globalização, é bom olhar o que se faz atualmente em termos de políticas tecnológicas.
O tema é de baixa "legibilidade", publica-se quase nada a respeito em português e há uma fobia quase generalizada contra a ação do Estado num setor que, afinal, é o motor da economia.
O vazio de informações diminui com a publicação pelo Ipea, há poucos dias, de um texto para discussão escrito por Helena Maria Martins Lastres ("A Globalização e o Papel das Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico"). O trabalho mostra que os subsídios ao desenvolvimento tecnológico continuam sendo uma parte integrante do modelo vigente nos países mais avançados.
A história mais visível é a do homem mais rico do mundo, Bill Gates, que aparece como um jovem brilhante e arrojado que foi do nada à fortuna.
Helena Maria, entretanto, afirma que "em praticamente todos os países os governos têm considerado imperativo contrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior que se seguiu à importante redução de barreiras tarifárias mobilizando e desenvolvendo uma ampla gama de instrumentos para melhorar a competitividade de suas empresas".
O esforço tem focalizado tanto as exportações quanto os mercados expostos à concorrência externa.
A pressão externa é vista como algo positivo. Mas procura-se construir visões "holísticas", ou seja, que levam em consideração o conjunto das políticas comerciais, tecnológicas e de promoção do investimento produtivo. É assim que são construídas as chamadas barreiras "não-tarifárias" à concorrência externa. Parece proteção, mas é promoção da capacidade local de desenvolver tecnologias.
É o "tecno-nacionalismo", diferente da mera proteção tarifária que no passado ajudou na criação de indústrias, mas caiu na armadilha da ineficiência por falta de competição.
O governo japonês, por exemplo, continua apostando na escolha de áreas vitais para a competitividade mundial futura das empresas japonesas. No caso, a aposta não é feita com gastos públicos (o governo gasta menos em pesquisa e desenvolvimento que muitos concorrentes), mas por meio da criação de uma vasta rede de informação que integra as empresas e os centros de pesquisa dentro e fora do Japão. Outra lição.
Aliás, os programas japoneses não são xenófobos. Aceita-se cada vez mais a participação de parceiros estrangeiros, mas desde que se consiga preservar objetivos nacionais.
Como ficam os países menos desenvolvidos, em especial o Brasil, nesse contexto?
Helena Maria mostra que na última década diminuíram os esforços de patenteamento no Brasil. Entre o total de patentes de invenções, é muito pequena a participação de empresas brasileiras. Entre 1985 e 1995 o número de patentes concedidas caiu de cerca de 4.000 para 2.500.
Paradoxalmente, o Brasil é um dos países onde mais se disseminou a onda dos certificados de "qualidade" e ISOs da vida. Afinal, como podem as empresas (e o governo) acreditarem que uma economia tem condições de ganhar competitividade (sentido último da qualidade de produtos e processos) se não há pesquisa?
Na prática, há uma confusão generalizada entre os efeitos de marketing e racionalização burocrática propiciados pelos certificados de qualidade, vendidos por empresas de consultoria, e a construção real de redes voltadas para a inovação tecnológica. Sem esse tipo de inovação não há qualidade, apenas "macaqueamento".
Na superação da atual crise financeira, a vantagem estará com os países, como alguns asiáticos, capazes de lançar uma "âncora científica" e não apenas cambial.

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