São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Excesso de informação provoca ignorância

GILBERTO DIMENSTEIN

Empresas americanas de alta tecnologia experimentam nova escala de trabalho para seus empregados mais qualificados. É o mês de apenas três semanas.
Diante da percepção de que o fluxo de informação sobre descobertas assumiu proporções jamais vistas, empresas separam uma semana apenas para pesquisa e reciclagem.
Tirado da rotina, o empregado dedica-se todos os meses a uma semana de leituras e cursos dentro e fora de seu local de trabalho; são feitos convênios com universidades, firmas ou realizados programas no exterior.
O tempo de estudo permite atualização permanente, fator vital em negócios que não param de se renovar a cada dia -e, por isso, não param de tirar gente da competição.
Os episódicos congressos profissionais tornam-se, assim, defasados, incapazes de acompanhar o ritmo.
Por trás desse movimento desesperado pela constante atualização, especialistas de recursos humanos e professores de administração identificam a crise do excesso de informação.
É algo que seria tão ameaçador como carência de informação.
Daí que começa a surgir nos EUA uma nova profissão com ares de moda: profissional do conhecimento.
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O profissional do conhecimento ajudaria as empresas a lidar com a torrente de dados, evitando desperdício de tempo e atenção.
Eles transformariam informação em conhecimento. Ou seja, algo útil, aplicável em suas atividades.
Para entender o conceito: a informação seriam os tijolos. Empilhados, formariam a casa, o conhecimento.
Em poucas palavras: eles diriam o que os empregados precisam, de fato, saber.
Estimulando a moda, escolas de administração criam a cadeira do "Conhecimento", ensinando como se compartilha o saber dentro de uma empresa, a fim de gerar inovação.
As mais importantes firmas de consultoria dos EUA abriram departamentos apenas para "assessoria de conhecimento".
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Até estão criando, na Califórnia, programas de computador. São bancos de dados com tudo o que os funcionários deveriam saber. Vai desde o funcionamento de teclas do computador até o perfil dos clientes.
É a memória e mesmo a cultura de uma empresa acessível em cada terminal.
Difícil saber se o profissional do conhecimento não é mais uma dessas modas do tipo "reengenharia", hoje, nos EUA, sinônimo de consultor esperto e empresários trouxas.
Essas modas lançadas por consultores se assemelham com as dietas miraculosas, prometendo emagrecimento rápido e sem fome.
Assim como ninguém emagrece se não comer menos e se exercitar mais, ninguém progride profissionalmente se não se esforçar sem parar.
Mas um fato é inquestionável -o excesso de informação provoca ignorância. E ainda não estamos preparados para enfrentar essa abundância.
É mais complexo do que se imagina.
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Multiplica-se a quantidade de informação, mas também são largados os meios como é disseminada.
Basta olhar em volta. As pessoas andam com telefone celular, recebem dados por pagers, estão conectadas à Internet, assistem TVs por assinatura com notícias 24 horas, além de serem municiadas com fontes antigas como jornais, TVs abertas e rádios.
Está prestes para ser lançada a televisão acoplada diretamente à Internet. Você vê o programa e, ao lado, tem um menu de opções para aprofundar o assunto. Ou mesmo comprar o produto exposto no comercial.
Tamanho bombardeio provoca uma, digamos, "mesmização". A imensa maioria dos leitores, telespectadores e ouvintes, mesmo os mais educados, não sabe onde leu, ouviu ou viu a notícia.
Esse fenômeno já é verificável inclusive entre jornalistas, confusos diante de tantas fontes, lançando uma profusão de notícias simultaneamente.
Até pouco tempo, o indivíduo tinha o "seu" jornal. Na televisão, só tinha disponível um telejornal.
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Estudos lançados por especialistas de recursos humanos dão a seguinte dica: vai sobreviver quem melhor souber aprender como aprender.
O trabalhador deve ter uma formação ampla, treinada da diversidade, e flexibilidade para acompanhar a velocidade.
Perde quem memoriza, copia, decora, é preso a regras e costumes.
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PS - A maioria de nossas escolas forma exatamente o fracassado do futuro por investir mais na memorização para passar no vestibular do que na criatividade. Incrível que, no Brasil, são raras as pessoas em pânico com essas fábricas de obsoletos.

E-mail: gdimen@aol.com

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