São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUAL CONSTITUIÇÃO?

O presidente Fernando Henrique pautou a ação de seu governo com base em duas grandes linhas: a estabilidade da moeda e a necessidade de reformas constitucionais, sendo que as mudanças na Carta eram vistas como uma condição da segurança e da permanência do Real, assim como da própria possibilidade de bem governar. Isto é, o plano de ação governamental de FHC pressupunha um plano de alterações constitucionais.
Destas tiveram sucesso apenas uma reforma política limitada à emenda da reeleição e aquela referente às propriedades e monopólios estatais. É muito pouco para quem desde sempre considerou a Carta de 88 uma camisa-de-força, para quem era preciso refundar o Estado, reconstituí-lo, até para, por exemplo, tornar possível o crescimento sustentável.
Dado o exemplo das dificuldades para levar adiante reformas como a da administração pública e a da seguridade social, o próprio presidente FHC começa, ao que parece, a patrocinar a idéia de fazer da próxima legislatura um Congresso Revisor da Constituição, pelo menos de seus capítulos político e tributário.
Quase ninguém mais duvida de que a Carta de 88 têm dispositivos que levaram ao aprofundamento da crise do Estado; que as emendas que ela tem sofrido já prejudicaram sua organicidade; que na feitura da atual Constituição não se enfrentaram os problemas da constituição e da representação política do país.
Os problemas tributário e federativo são graves. Manifestam-se cotidianamente em atritos entre União e Estados, e entre os próprios Estados, a respeito de encargos, dívidas e redistribuição de tributos. Sem tratar da questão dos impostos também não se podem tomar algumas atitudes mais incisivas no que diz respeito à desigualdade social e à racionalidade da estrutura produtiva.
Seria preciso alterar a Carta também para enfrentar os vários problemas do sistema político. É a Constituição que define, por exemplo, os números máximo e mínimo de deputados federais por Estado. Além de fazer com que a representação parlamentar seja distorcida, tornando desigual o peso do voto de cada cidadão, a própria idéia de que o número de deputados seja vinculado ao Estado e não à população já é uma excrescência -pois o Senado é a Casa de representação estadual.
Existem, pois, motivos razoáveis para uma reforma constitucional mais ágil. O problema que resta é o da legalidade ou da legitimidade de um Congresso Revisor, que poderia alterar a Carta por maioria simples.
A atual Constituição previu duas possibilidades de mudança em seus dispositivos: a revisão de 1993 e as emendas, aprovadas por três quintos de cada Casa do Congresso.
Nesse ponto instala-se a polêmica jurídica e política. Para alguns, o número de votos necessários para uma mudança na Carta não é cláusula pétrea, mas um forma do processo legislativo que pode ser alterada. Seriam admitidas, pois, alterações no modo de emendar a Constituição. Outros consideram que uma legislatura do Congresso não poderia se outorgar esse direito de facilitar a mudança, mas poderia concedê-lo a congressistas eleitos para esse fim. Para uma terceira linha de pensamento, a outorga do poder constituinte depende de decisão popular.
Apesar das diferenças e até para os que admitem a legalidade do Congresso Revisor, fica uma dúvida sobre a sua legitimidade e, mesmo, sobre o risco de facilitar mudanças constitucionais com maiorias pouco qualificadas. Na verdade, a questão maior é mesmo a da legitimidade.
Qual a legitimidade desse Congresso Revisor, que teria, ademais, os defeitos sabidos de um Congresso Constituinte? Não tendo sido eleito com o fim exclusivo de legislar constitucionalmente e depois voltar para casa, o congressista pode ser mais tentado a macular a Lei Maior por interesses demasiadamente pontuais.
Qual a legitimidade de um Congresso Constituinte, mesmo com atuação limitada, que não fosse aprovado por um referendo popular? E, nunca é demais perguntar, o que restaria da Constituição de 88, que já sofreu mais de uma dúzia de emendas, e que ainda seria alterada em pontos fundamentais como a política e os tributos? Teríamos um grande remendo constitucional. A questão que se coloca, pois, é se o país vai enfrentar de frente e profundamente os problemas de sua Constituição ou se vai tentar contorná-los.

Texto Anterior: DO APERTO DE CINTO À DIETA
Próximo Texto: Pior que prostíbulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.