São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Qualidade literária é questionável

POR VINICIUS TORRES FREIRE

VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE OPINIÃO

Os poetas novíssimos que a Revista da Folha perfila neste número escrevem uns poemas que não são.
Não faz poemas quem ignora ou maltrata os rudimentos dessa arte; ou quem para ela não inventa padrões novos, verbais, melódicos, visuais, que sejam, se limitando à discursividade sentimental ou a colagens que disfarçam a falta do que dizer ou de que fazer poeticamente; ou quem costura os piores cacoetes da em geral má poesia que vem sendo feita nas últimas três décadas no país.
Francisco Bosco sintetiza quase todos os defeitos de seus igualmente jovens colegas. É sentimental, verborrárgico e enfileira chavões constrangedores: "Tirada a máscara que abafa o grito/ silencioso que ensurdece a alma,/ revela-se por trás da face calma/ a vertiginosa inércia do agito". Escreve versos de pé quebrado e rima verbos no infinitivo; faz mímicas de Augusto dos Anjos que soam como teatro besteirol. Bosco não se dá conta de ridículos como esse: "Quando, pelos caminhos da honestidade,/ o artista convergir-se à arte,/ a verdade reiterar-se-á verdade/ na forma emocionante de realidade".
Felipe Nepomuceno -faz questão de dizer a nota biográfica de seu livro "marciano"- "viajou por mais de uma dúzia de países". Parece que, por conta disso, ele cismou que notas engraçadinhas de cartão postal são poemas.
Nepomuceno anota meia dúzia de palavras sobre uma cidade por onde passou em formas assemelhadas às de um hai kai. Reproduz assim, assim, um pavoroso cacoete da recente poesia brasileira.
Nepomuceno e outros viciados no artifício enumeram três conjuntos de imagens, por vezes períodos paratáticos, numa espécie de colagem que acreditam significativa, mas que apenas mostram inapetência para a construção poética mais complexa. Como nisso: "Área roubada/que agora pergunta ao pó./Carros, estrelas/de Hollywood,/carros, só./ Yankees desconhecem seu nome,/e chamam a cidade L. A./ (Seis milhões de índios/entregam pizza, limpam chão)", ("Los Angeles").
Sérgio Cohn é o editor de uma revista de poesia chamada "Azougue". No expediente a revista é chamada de fanzine: "Esse fanzine é para ser lido ao som de 'Gol de Quem' do Pato Fu", dizem os editores. Dá uma idéia do que é a publicação. Sobre os poemas de Cohn, pouca idéia se pode ter. Publicou pouco, e mal, não fugindo à regra de confundir profundidade com obscuridade sentimental, sendo portanto chato. Pouca poesia boa se fez juntando-se substantivos abstratos com adjetivos. Cohn acredita que, se além de fazê-lo, cortar seu texto derramado em linhas mais ou menos longas terá um poema. Não terá, não. Tome-se isto: "Mas eu sei o vento/-Rastro azul que se esvai/A livre ambiguidade do abandono."
Pedro Amaral é o menos pior de todos. Tem habilidade com a língua portuguesa, mas se perde em brincadeiras textuais circulares em torno de uma pequena frase feita, com rimas vulgares; gosta de fazer cantigas com rimas emparelhadas ou cruzadas sobre temas cotidianos ou sobre filosofeminhas da identidade. Incorporou algum João Cabral, tem algum humor. Mas é muito pouco.

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