São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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Presidente do STF vê risco de elitização

PATRICIA ZORZAN; LUÍS COSTA PINTO
DA REPORTAGEM LOCAL E DO ENVIADO ESPECIAL

Com a universalização dos recursos judiciais instituída pela Constituição de 88, a Justiça brasileira corre o risco de ser considerada "socialmente injusta".
"Quem pode sustentar esses recursos e pagar bons advogados tem mais possibilidade de ter seus argumentos ouvidos e considerados pelos tribunais", afirma o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Celso de Mello.
A universalização permite que os advogados, por meio de recursos contra as sentenças, encontrem brechas jurídicas que levem seus processos ao STF ou ao STJ.
Na avaliação de Celso de Mello, isso coloca aqueles que têm condições financeiras de manter advogados acompanhando seus casos no Distrito Federal em situação privilegiada em relação aos que não dispõem da mesma estrutura.
Injustiça
"Assim, é socialmente injusto protelar as decisões com argumentos que, muitas vezes, não se sustentam à luz do direito. Existem apenas para fazer com que as sentenças demorem", completou o presidente do STF.
Na tentativa de diminuir o número de recursos, o relator da reforma do Judiciário, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), propõe a cobrança obrigatória da parte que contesta uma decisão judicial.
O projeto prevê também a devolução do dinheiro caso o recurso seja aceito pelo juiz.
A maioria dos advogados ouvidos pela Folha concorda com o diagnóstico de que a Justiça brasileira é elitizada, mas afirma que a cobrança pelos recursos acentuaria esse desequilíbrio.
"Jeito torto"
"Concordo em limitar os recursos. Isso ajudaria a solucionar (a diferença entre as classes), desde que o Estado cumpra sua obrigação de colocar bons advogados a serviço dos pobres, que estão absolutamente desamparados", afirma o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.
"Mas a cobrança é uma maneira de elitizar cada vez mais a Justiça. Seria um jeito torto de tentar corrigir isso. Um jeito de matar o doente para acabar com a doença", acrescenta o advogado.
Márcio Thomaz Bastos admite que os recursos contribuem para o entulhamento do Judiciário, mas também condena a cobrança. "Eles podem até atravancar, mas são basicamente democráticos porque permitem o reexame das questões. Cobrar por isso só torna a Justiça mais aristocrática."
Celso Cintra Mori considera "perigosa" a idéia do pagamento. "Claro que o cidadão que tem maiores recursos e que pode contratar advogados mais caros e mais competentes vai exercitar seu direito em uma amplitude maior. Mas a cobrança significaria que o réu mais pobre vai ter mais dificuldades de recorrer."
Professor de direito constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), Celso Bastos é o único defensor da cobrança entre os advogados ouvidos pela Folha.
"A idéia que a gente tem é de que a Justiça não custa. Isso é completamente irreal. Hoje o Judiciário está cheio de processos e recursos que não deveriam estar lá. Temos de impor uma forma pragmática que se incumba de alijar essa corja que ronda os tribunais ganhando em torno da demora da Justiça."
Segundo Bastos, a medida não prejudicaria os mais pobres. "Não podemos impedir a cobrança já pensando naqueles que não poderão pagar. Mesmo porque a miserabilidade não cria muitas oportunidades processuais."
O advogado defende, entretanto, que a cobrança se restrinja a um percentual do valor da causa e que determinados casos sejam dispensados do pagamento. "Caso contrário, só o (empresário) Antonio Ermírio de Moraes poderia brigar com ele mesmo. O objetivo não é tirar dinheiro de quem não tem."
Previstos em lei
Cerca de 70% de toda a demanda judiciária que enche as prateleiras e os gabinetes dos tribunais superiores de Brasília tem origem em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
"Uma boa reforma no Judiciário, acelerando a Justiça e dando valor aos julgamentos dos juízes de primeira instância, seria um desastre para o grande negócio do recurso sustentado por escritórios desses Estados", diz o ministro do STF Nelson Jobim.
Os profissionais defendem o uso dos recursos. "Se os advogados usam os recursos é porque eles estão previstos em lei", declara Mariz de Oliveira.
"Eles estariam traindo a confiança de seus clientes, se não esgotassem todas as medidas possíveis para a defesa dos interesses desses mesmos clientes", completa o advogado, que defende a limitação dos recursos por intermédio de uma modificação nas leis.
Para Márcio Thomaz Bastos, alguns recursos são utilizados de maneira protelatória em função da lentidão da Justiça.
"Se o Judiciário fosse rápido e julgasse os recursos rapidamente, a protelação ficaria vazia (de sentido)", afirma.
Na opinião de Celso Cintra Mori, os recursos previstos em lei são adequados. "Existem punições que a lei prevê para recursos manifestamente protelatórios. Se você limitar o número de recursos ou estabelecer uma regra prévia que impeça o exercício do direito de recorrer, quase sempre estará tratando de forma igual situações desiguais."
(PATRICIA ZORZAN e LUÍS COSTA PINTO)

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