São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997![]() |
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Enxurrada de processos pode parar o STF
LUÍS COSTA PINTO
Como o presidente do STF só recebe processos especiais, desconsiderando os dois meses anuais de recesso do Judiciário e levando em conta que cada mês tem em média 20 dias úteis, os dez outros ministros do Supremo terão julgado em 97 uma média de 17,5 processos por dia. É demais. É impossível. "Dentro de dois anos, o STF será um tribunal inviável. Quando isso ocorrer, certamente o Brasil não viverá mais um Estado de Direito", reclama o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello. Ele considera urgente reformar o Poder Judiciário. Há um esboço dessa reforma se arrastando no Congresso desde março de 95, sem ter sequer saído da comissão especial da Câmara criada para debatê-la e relatá-la. Repete-se no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) o mesmo engarrafamento de processos que pode paralisar o Supremo. Criado pela Constituição de 88 para aliviar o STF e deixá-lo cuidar apenas das questões envolvendo interpretações constitucionais, o STJ deverá fechar o ano tendo julgado 100 mil processos. Em 96, foram 77.629 julgamentos. Outras 29.169 causas ficaram nas prateleiras, sem ter quem as apreciasse. Neste ano, a sobra será maior para seus 33 ministros. Demora injusta Até receber uma decisão final, os processos percorrem uma gincana: são julgados, há recursos, depois embargos e, enfim, julgamento definitivo. Em média, um processo demora oito anos para percorrer todas essas instâncias. "É uma demora injusta. O direito fundamental da solução judicial em tempo hábil está sendo desrespeitado, e isso é criminoso", diz Celso de Mello. Outros ministros do Supremo, como Carlos Velloso e Nelson Jobim, concordam com ele. Acham que um dos maiores problemas é a universalização dos recursos judiciais, instituída pela Constituição de 88. Usada de forma esperta pelos advogados, a universalização permite que, ao entrar com recursos de sentenças, sempre se encontre um caminho jurídico que levará o processo diretamente aos plenários do STF ou do STJ. Se for ao Superior Tribunal de Justiça, acabará no Supremo. "Tudo o que entra num tribunal, um dia, pode acabar no STF. Desde a briga de um inquilino com o proprietário de apartamento, até diferenças entre o Congresso e o Palácio do Planalto, passando pelo direito de um aposentado do INSS de ter sua pensão ou aposentadoria revistos pelo governo. Estamos sem condições de dedicar tempo a questões essenciais do direito", lamenta-se o ministro Velloso. Ele conhece o assunto. Há um mês, junto com mais quatro ministros do STF, gastou duas horas e meia analisando o pedido de guarda judicial dos filhos feito por uma mulher do interior do Ceará. O caso deveria ter sido resolvido na Vara de Família da cidade de Juazeiro do Norte, onde mora a mulher, mas chegou ao Supremo porque seu advogado usou o instrumento de habeas corpus para pedir esta guarda. Como o habeas corpus é uma garantia constitucional de todos os cidadãos, foi bater no STF. Tudo foi mandado de volta ao interior do Ceará, pois o instrumento era inadequado. Pagamento por recurso O deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), relator da lenta reforma do Judiciário na Câmara, quer pôr fim à farra. No substitutivo que está redigindo e tem esperança de ainda votar neste ano na comissão especial criada para debater a reorganização da Justiça brasileira, prevê a cobrança pecuniária obrigatória da parte que recorrer de uma sentença judicial. Caso obtenha sucesso no recurso, o recorrente teria seu dinheiro de volta. Hoje essa cobrança só é prevista em alguns casos determinados pelo Código de Processo Civil. Mesmo assim, é ignorada pelos juízes. "Precisamos extinguir algumas vias recursais exageradas. A cobrança pelos recursos pode ser o melhor instrumento", afirma Carneiro. O substitutivo do deputado baiano, se aprovado, pode revolucionar o Judiciário. Além de criar dificuldades para a enxurrada de recursos que protelam as sentenças finais, propõe a criação do Conselho Nacional da Justiça. Composto por ministros dos tribunais superiores, juízes, membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, o conselho fiscalizaria todo o Judiciário e zelaria pela resolução dos casos em tempo hábil. Também confere efeito vinculante a algumas decisões dos tribunais superiores, impedindo assim que casos iguais evoluam na Justiça: processos semelhantes já analisados por um dos tribunais superiores receberiam o mesmo julgamento. "Gosto do deputado Jairo Carneiro, mas não gosto do seu substitutivo. Ele pode engessar o Poder Judiciário e inibir a autonomia dos juízes", diz o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Paulo Medina. "O Judiciário deve abrir-se à sociedade, ser ágil. Se não o for, não será um poder democrático. Ocorrendo isso, vastas parcelas do povo brasileiro serão compostas por não-cidadãos", afirma Celso de Mello. Texto Anterior: Diretor de agência espacial faz piada Próximo Texto: Lentidão preocupa ministro Índice |
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