São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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Privatização e agências reguladoras

LUIZ GONZAGA BERTELLI

A privatização da economia tem avançado no Brasil. Gradativamente, setores com forte participação e controle acionário do Estado estão sendo transferidos para a iniciativa privada. Igualmente, em todo o mundo esgota-se o modelo de desenvolvimento baseado na destacada e preponderante presença estatal, base e sustentáculo da industrialização brasileira, especialmente a partir dos anos 50.
Iniciado em 1990, até maio deste ano o Programa Nacional de Desestatização já efetivara a privatização de 53 empresas. São organizações das áreas siderúrgica, química, de fertilizantes e de energia elétrica. Estimam-se em torno de R$ 17 bilhões os recursos arrecadados com essas vendas.
Até agora o governo, tanto o federal como os estaduais, não fixou o destino dos recursos obtidos com tais privatizações, que, segundo alguns analistas, deveriam destinar-se prioritariamente a projetos de infra-estrutura e, segundo outros, deveriam ser aplicados na amortização da dívida interna, que consome parcela significativa de recursos para pagar juros, atualmente na casa de R$ 30 bilhões ao ano -ou cerca de 4% do PIB.
Pela sua própria complexidade, os setores elétrico e petrolífero são áreas com mudanças mais lentas, apesar de sua enorme importância para o crescimento econômico e de sua carência de investimentos impostergáveis. Isso já está sendo sinalizado pela relação entre a oferta e a demanda de eletricidade, que atingiu limites perigosos nestes últimos dois anos, incluindo a ocorrência de blecautes.
Medidas antidesperdício e de contenção de consumo são bem-vindas, mas não passam de paliativos para uma situação que está próxima do ponto crítico há tão longo tempo. Na verdade, é consenso que o Brasil terá de realizar -e quanto mais cedo melhor- investimentos maciços para ampliar o parque gerador de eletricidade, para atender às necessidades que acompanham a retomada do crescimento econômico, sob pena de inviabilizá-lo pela ausência de medidas urgentes e concretas.
Com a redução da presença do Estado e a introdução da concorrência entre empresas privadas, são fundamentais a definição de regras claras para o mercado e a instalação de órgãos competentes para administrá-las, principalmente nas atividades energéticas.
O planejamento após a reestruturação, a montagem de um modelo que harmonize as etapas que compõem a cadeia de produção elétrica (geração, comercialização, transmissão e distribuição), a formulação de políticas de financiamento para a construção de usinas geradoras, a fixação de normas para as tarifas e as relações com os consumidores finais são algumas das questões que o PND colocou na mesa de discussão.
Elas estão sendo equacionadas, embora não com a velocidade recomendável, pois não se pode ignorar que o êxito dessa segunda etapa do PND está estreitamente vinculado à eficácia e à eficiência das agências reguladoras.
Há nove meses, o Congresso aprovou a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que deverá disciplinar e finalizar a nova estrutura do setor elétrico. Na área do petróleo, o presidente da República aprovou a lei que institui a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Em julho de 1997, foi sancionada a Lei Geral das Telecomunicações, após sete meses de tramitação no Congresso. A nova lei abre perspectivas muito otimistas, de investimentos totais estimados em US$ 90 bilhões nos próximos cinco anos. O grande beneficiário de todo esse processo, entretanto, será o consumidor, que nos próximos três anos terá o direito de escolher a empresa de telefonia que lhe oferecer melhores serviços.
Esperamos todos que o governo acelere a instalação dos órgãos reguladores, que são essenciais para o funcionamento do novo modelo brasileiro do setor elétrico. Esperamos também que designe especialistas competentes e honestos, com disposição para, acima de tudo, servir com patriotismo o país, para dirigir os órgãos regulamentadores do setor elétrico, petrolífero e de telecomunicações que serão instalados.
Uma análise serena do balanço do PND mostra que não será difícil encontrar os profissionais com o perfil adequado para essa importante tarefa. Eles poderão ser convocados na iniciativa privada, entre os especialistas nas áreas de planejamento, produção e consultoria, e também selecionados entre os especialistas formados nas antigas estatais.
Entusiasta das mudanças (até por que considera que, por natureza, a empresa estatal jamais será eficiente, no Brasil ou no resto do mundo), Antoninho Marmo Trevisan usa a experiência de sócio de um escritório de consultoria que modelou boa parte das privatizações brasileiras para retificar uma dessas injustiças correntes.
Ele afirma que a ineficiência das estatais decorre basicamente de seu uso como instrumento político, e não da incompetência de seus quadros, que costumam ser de primeiríssima qualidade -tanto que as empresas privatizadas têm colocado e até mantido técnicos das ex-estatais entre seus dirigentes.
Portanto, o governo poderia se inspirar nesse exemplo para compor um interessante mix para dirigir as agências reguladoras, facilitando essa etapa de transferência de decisão nos quatro setores estratégicos para o desenvolvimento.

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