São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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O espírito do Estado

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Custou mas chegou o dia em que o cientista político, o sociólogo, o isso e aquilo entregou os pontos e admitiu que o problema nacional depende, afinal, "de um estado de espírito". Diante da crise das Bolsas, e abandonando a expressão facial que é sempre jucunda, FHC remete para o imponderável a solução dos juros.
Eles agora ficam atrelados não ao nosso desenvolvimento, nossas contas públicas, nossa capacidade de trabalho. Serão maiores ou menores de acordo com um estado de espírito não sabemos exatamente de quem, se dele, FHC, ou nosso. Ou ainda o que é pior, dos investidores de Hong Kong ou das Ilhas Papuas.
Seria o caso de convocarmos o bispo Macedo e o Paulo Coelho, que entendem desses negócios espirituais, para baixar os juros por meio de um truque esotérico ou carismático. Tudo é possível -dizia Machado de Assis.
Não tenho certeza se foi em Chateaubriand ou em Montaigne que Eça de Queiroz tirou a idéia de escrever "O Mandarim". A história é sabida: se um pé-rapado qualquer apertar uma campainha em qualquer lugar do mundo e assim matar um mandarim na região mais remota da China, herdará toda a fortuna do velho inútil que estará, naquele momento, vestido de cetim amarelo, soltando um papagaio de papel.
Trata-se de uma espécie de globalização moral. Um impulso eletrônico enviado da Ásia pode jogar milhões de seres humanos da América ou da África na miséria, na fome e na morte. Os governantes comprometidos com a modernização de seus países nada podem fazer a não ser soltar papagaios de papel com o nome de "real" -mais ou menos como o mandarim que nem suspeita que será assassinado por uma campainha invisível tocada numa pensão do Chiado.
Para esconjurar esse perigo, a solução proposta pelo sociólogo é fazer o espírito do Estado adotar um estado de espírito. Para chegar a essa conclusão, não precisaríamos de presidente. Qualquer pai-de-santo faria melhor.

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