São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997
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Corrupção de fiscais passa pela Câmara

ROBERTO COSSO e ROGÉRIO PANDA

ROBERTO COSSO; ROGÉRIO PANDA
DA "FOLHA DA TARDE"

Assessores de vereadores encaminham camelôs a pessoas que vendem pontos irregulares em São Paulo

Cobrança de propina e corrupção de fiscais das administrações regionais são fatos corriqueiros, têm características de crime organizado e contam com o incentivo de funcionários da Câmara Municipal de São Paulo.
Por mais de 60 dias, dois repórteres da "Folha da Tarde" percorreram diversas regionais, negociaram com fiscais e verificaram que a corrupção é generalizada na cidade. O Ministério Público Estadual promete abrir inquérito hoje para investigar esses casos.
Usando gravadores escondidos, os repórteres receberam propostas de fiscais para trabalhar como camelôs, mediante pagamento de propinas que variaram de R$ 10 a R$ 1.000, dependendo do local e do produto vendido.
Na maioria das regiões, um intermediário -o camelô-chefe, conhecido como "patrão"- recolhe a propina semanalmente para os fiscais. Eles também decidem sobre a entrada de novos ambulantes e os produtos que eles podem vender. O fiscal apenas estabelece o valor da propina.
Quem não contribui tem suas mercadorias apreendidas. Para isso, é utilizado o aparato da administração regional.
Quem controla
As administrações regionais são controladas por vereadores da base governista, que indicam pessoas próximas, às vezes parentes, para ocupar cargos de confiança.
Após diversas visitas à Câmara, o jornal conseguiu gravar conversas dentro do gabinete de alguns vereadores, nas quais seus assessores admitem conhecimento do esquema de corrupção nas regionais e encaminham pessoas interessadas em trabalhar como camelôs para esses esquemas.
Apresentando-se como camelô, um repórter da "Folha da Tarde" procurou o gabinete do presidente da Câmara, vereador Nelo Rodolfo (PPB), para saber como deveria proceder para trabalhar como ambulante na rua Voluntários da Pátria, em Santana (zona norte).
Ele foi atendido por um assessor, que o orientou a procurar o fiscal da área, conhecido como Boy. "É ele quem manda lá."
Um assessor do vereador Hanna Garib (PPB), líder do prefeito Celso Pitta na Câmara Municipal, ofereceu um cartão do vereador a um camelô para que ele procurasse a fiscalização da Regional da Sé. "Vou te dar um cartão e você vai lá na regional."
Outro vereador, Vicente Viscome (PPB), admite ter conhecimento do esquema de corrupção dos fiscais da Regional da Penha, que controla. Durante uma entrevista, o vereador foi informado de que um camelô havia feito "um acerto" com Tânia de Paula -uma funcionária de Viscome que "está administrando" a "parte política" dele na regional- e não se mostrou surpreso.
Viscome confirmou que a funcionária é de sua confiança e garantiu que o "acerto" não iria "dar para trás".
Procurada na regional, Tânia chamou um fiscal e pediu que ele arrumasse um ponto para que o repórter trabalhasse como camelô.
Três fiscais daquela regional ofereceram um ponto para venda de produtos eletroeletrônicos na praça 8 de Setembro, na Penha (zona leste), por R$ 1.000 de "luvas" e R$ 30 por semana.
Rendimentos das regionais
Altos funcionários da prefeitura comentam que as regionais consideradas médias rendem R$ 30 mil por mês aos vereadores que as controlam.
As grandes, que têm bons orçamentos e elevado número de fiscais, renderiam até R$ 200 mil. As pequenas, entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Eles ficariam com 30% do total da "caixinha" da regional que controlam.
As entidades representativas dos ambulantes estimam que há cerca de 50 mil camelôs em São Paulo, que pagam pelo menos R$ 10 de propina por semana -R$ 45 por mês, em média. Isso significa que o esquema movimenta mais de R$ 2.250.000 por mês. Se o valor fosse dividido igualmente entre as 27 regionais, cada uma movimentaria R$ 83 mil com propina de camelôs.
Ação
O promotor de Justiça Mário Papaterra Limongi, coordenador das promotorias criminais, requisitou ontem a abertura de um inquérito coletivo contra as várias denúncias envolvendo extorsões cometidas por fiscais da prefeitura.
Todas as informações utilizadas para a confecção dessa reportagem foram gravadas pelos repórteres ou por pessoas que, a pedido do jornal, procuraram supostos envolvidos no esquema de corrupção. Nenhuma dessas pessoas usufruiu de qualquer vantagem pessoal nas práticas ilegais que o pagamento de propina permitiria.

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