São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997 |
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Previdência, desenvolvimento e justiça social
MARCELO VIANA ESTEVÃO DE MORAES; VINÍCIUS CARVALHO PINHEIRO MARCELO VIANA ESTEVÃO DE MORAESVINÍCIUS CARVALHO PINHEIRO O atual sistema de Previdência Social reproduz as estruturas de desigualdade que marcaram a formação da sociedade brasileira. Em 1996, no Regime Geral de Previdência Social, mantido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foram pagos R$ 42,6 bilhões a 16,5 milhões de beneficiários, enquanto no setor público R$ 46,1 bilhões foram gastos com o pagamento de cerca de 2,9 milhões de inativos. Ou seja, uma minoria de 14,9% dos beneficiários se apropriou de 52% do total dos recursos. Da mesma forma, no regime geral, conforme dados de junho de 1997, apenas 15,1% dos beneficiários se apropriaram de 45,8% do total da despesa mensal com benefícios. Esse quadro é resultado da evolução histórica da Previdência Social, que foi condicionada pela dinâmica política e econômica dos modelos de desenvolvimento sucessivamente adotados no Brasil. No começo do século, o surgimento das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), organizadas em regime de capitalização por empresa nos setores ferroviário, marítimo, portuário, telegráfico e radiotelegráfico, foi coerente com o aprimoramento da infra-estrutura econômica em um modelo de desenvolvimento orientado para a exportação de produtos primários. Na década de 30, o sistema previdenciário reestruturou-se em bases corporativas. Em lugar das CAPs, foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), organizados por categoria profissional e restritos a alguns grupos de trabalhadores urbanos. A organização do sistema previdenciário, assim como a do restante das políticas sociais, estava ligada à lógica do modelo de desenvolvimento via substituição de importações, pois cooptava os trabalhadores urbanos formalizados para a sustentação do regime autoritário e contribuía para consolidar o novo mercado interno. Posteriormente, ocorreu a unificação dos IAPs no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), com o gradual aumento da população coberta. A política de previdência social foi utilizada para amortecer os custos sociais do milagre econômico e para garantir a sustentação política do regime militar. Em todo o período de vigência desse modelo de desenvolvimento fechado, protecionista e autoritário, era muito fácil prometer benefícios generosos concentrados em grupos restritos porque os custos eram difusos, já que os aumentos das alíquotas de contribuição eram repassados a toda a sociedade pela a elevação dos preços dos produtos. Tal mecanismo de socialização do custo dos privilégios ocorria sem prejuízo para as empresas oligopolistas, que apresentavam baixa exposição à competição, devido à proteção estatal. Ademais, quem realmente pagava o preço dos privilégios ou não tinha acesso aos canais tradicionais de expressão política ou estava imerso na desinformação, sujeitando-se à manipulação das minorias influentes. Nos últimos anos, o processo de universalização da política previdenciário não ocorreu em bases uniformes, gerando um sistema inviável financeiramente, caracterizado por forte regressividade distributiva inter e intrageracional. A ampliação da cobertura previdenciária, em termos quantitativos e qualitativos, para atender às novas demandas sociais ocorreu sem prejuízo da manutenção de regimes especiais e de distorções constituídas historicamente no sistema de previdência. Com efeito, no regime geral e no serviço público, os grupos com maior poder de barganha conseguiram manter e/ou ampliar condições mais favoráveis de participação no sistema previdenciário em relação à maioria da população. Na atualidade, a consolidação da democracia e o processo de reestruturação competitiva da economia pressionam por mudanças na Previdência. No plano político, com o avanço da cidadania e a democratização da informação, torna-se insustentável a manutenção de privilégios no sistema previdenciário. A sociedade está ciente de que os riscos sociais atingem todos. Por isso, não é aceitável que as regras diferenciem categorias profissionais ou privilegiem alguns grupos sem razões que sejam do conhecimento da sociedade e por ela aceitas. No plano econômico, a estabilidade da moeda explicitou a inconsistência financeira do sistema. Além disso, a gradual abertura do mercado tende a inviabilizar o processo de socialização dos custos dos privilégios, pois é necessário preservar a capacidade de competir das empresas e, ao mesmo tempo, alocar recursos públicos escassos para o aprimoramento do capital humano e da competitividade sistêmica do país. Por fim, a garantia de sustentação futura do sistema previdenciário público, em regime de repartição, depende de um ambiente de crescimento econômico, com expansão do emprego formal e da renda. Para tanto, é fundamental o incremento da poupança interna, o que está relacionado com o desenvolvimento do sistema de previdência complementar, em regime de capitalização. Assim, a reforma da Previdência tem o duplo desafio de corrigir as distorções distributivas do atual sistema e de se tornar um elo da reorientação da estratégia de desenvolvimento do país. Marcelo Viana Estevão de Moraes, 32, é secretário de Previdência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social e vice-presidente da Conferência Interamericana de Seguridade Social. Vinícius Carvalho Pinheiro, 26, é coordenador-geral de Estudos Previdenciários do Ministério da Previdência. Texto Anterior: Outras instabilidades Próximo Texto: O novo modelo de associação Índice |
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