São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997
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As reformas e o AZT

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - E o bloco está de novo na rua, cantando o samba de uma nota só: é uma reforma para cá, duas reformas para lá.
As reformas têm, de fato, sua importância do ponto de vista da contabilidade pública (socialmente, é outra história, que fica para outra vez). Mas vendê-las, como fazem o bloco do governo e o cordão dos áulicos (para não dizer outra coisa), como a bússola infalível para um porto seguro ao abrigo das intempéries internacionais, não passa de uma tremenda enganação.
Para que um país fique relativamente imune aos agora famosos ataques especulativos, seria preciso eliminar todos os seus déficits (o público, o externo e o social).
Sei que a ideologia predominante abomina misturar o social com o econômico-financeiro, mas há um exemplo próximo e recente: o México começou a quebrar, em 1994, quando os zapatistas se levantaram no paupérrimo Estado de Chiapas. É o social passando a sua fatura à economia.
Quanto às reformas em si, a Grã-Bretanha, paradigma do chamado neoliberalismo, fez todas e até mais. Fez uma revolução conservadora. Nem por isso escapou de um baita ataque especulativo anos atrás.
Até hoje, qualquer biografia sumária de George Soros, o mega-investidor, cita-o como "o homem que quebrou o Banco da Inglaterra". Imagine se não quebraria o Banco Central brasileiro, com ou sem reformas.
Seria mais honesto o presidente repetir o que disse em junho ao jornal "Gazeta Mercantil" e que foi reproduzido ontem neste espaço: ante o volume de capitais internacionais que estão sobrevoando o mundo, como urubus à busca de carniça, o governo "não tem elementos de controle da situação".
FHC tem o direito e o dever de defender as reformas. Só não tem o direito de esconder que elas funcionam como AZT para a Aids. Aliviam, mas não curam, porque a vacina para o caso ainda não foi inventada.

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