São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997
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Câmbio e salário

ANTONIO DELFIM NETTO

Há algumas semanas publicamos nesta coluna que os dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) indicavam um aumento do salário, em dólares, da ordem de 20% ao ano nos últimos três anos. O custo total da mão-de-obra no setor químico, na amostra de 46 empresas representativas, passou de US$ 15,11 por hora no primeiro semestre de 1994 para US$ 25,90 no primeiro semestre de 1997. Um atento leitor (engenheiro do setor químico) chamou a nossa atenção para o fato de que isso era absolutamente irrelevante. Segundo ele, o seu salário medido em termos de poder de compra, isto é, deflacionado pelo IPC-Fipe (e não pela taxa de câmbio) praticamente não cresceu no período e, mesmo assim, dezenas de seus companheiros perderam o emprego.
O leitor tem toda a razão: dependendo do deflator utilizado, temos uma medida diferente do "salário real". O IPC-Fipe, por exemplo, cresceu 67% entre junho de 1994 e junho de 1997, enquanto os preços industriais cresceram 25% e a taxa de câmbio 8%. Para medir o que lhe interessa (seu poder de compra) nosso leitor tem mesmo que utilizar o IPC-Fipe, porque ele é uma cesta (uma média ponderada dos preços) de produtos e serviços que ele consome.
Nosso problema, entretanto, era outro. Talvez inadvertidamente não o tenhamos deixado claro: desejávamos mostrar as graves consequências da elevação brutal do salário em dólares para o equilíbrio do balanço comercial do setor químico. Nesse caso, o salário relevante é mesmo o salário em dólares.
Suponhamos, por exemplo, que a quantidade produzida no setor químico para exportação depende do estoque de capital (e da tecnologia nele incorporada) e da quantidade de mão-de-obra que opera esse capital. Como o capital e a tecnologia são relativamente constantes no curto prazo (digamos quatro ou cinco anos), o volume produzido no setor será proporcional à mão-de-obra utilizada. Logo, a receita bruta em reais produzida pela exportação é igual à quantidade produzida multiplicada pelo preço exportado, que por sua vez é igual à taxa de câmbio multiplicada pelo preço do produto no mercado internacional. O custo total depende, obviamente, da quantidade de mão-de-obra utilizada, multiplicada pelo seu salário.
Se o empresário desejar maximizar o lucro em reais com a exportação, um cálculo ligeiramente complicado mostra que o volume exportado dependerá, basicamente, do salário medido em dólares e do preço externo: quanto maior for o salário medido em dólares (isto é, quanto menos competitivo for o setor no mercado internacional), menor será o volume exportado e, portanto, menor a receita em dólares para um dado preço externo.
É claro, entretanto, que existe uma relação entre o "salário real" medido pelo IPC-Fipe e a taxa de câmbio. Ela é dada pela importância dos produtos importados que compõem aquele índice. Se supusermos, por exemplo que essa participação seja de 10%, uma variação de 15% na taxa de câmbio nominal produziria uma redução de 1,5% no "salário real" medido em poder de compra.

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