São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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Pesadelo vermelho de Bergman está de volta às telas

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pesadelo vermelho de Bergman está de volta
"Todos os meus filmes podem admitir-se filmados em preto-e-branco, menos 'Gritos e Sussurros' ", escreve Ingmar Bergman em seu livro "Imagens".
Segundo o diretor sueco, o filme -que volta aos cinemas em cópia nova- surgiu de uma imagem que o visitava insistentemente: mulheres de branco num quarto de paredes vermelhas.
Aos poucos, essas mulheres foram ganhando rosto e personalidade, e a cor vermelha passou a significar, de acordo com Bergman, "o interior da alma".
Quem são essas mulheres? Há, em primeiro lugar, Agnes (Harriet Andersson), que agoniza com dores terríveis. É dela que vem a maior parte dos gritos.
Os sussurros vêm, principalmente, de suas duas irmãs, que lhe fazem companhia na ampla casa de campo em que haviam passado a infância.
A mais velha, Karin (Ingrid Thulin), é severa e reprimida a ponto de não suportar o contato físico com ninguém -nem com o marido diplomata, nem com a irmã mais nova, a bela e superficial Maria (Liv Ullmann).
Esta, por sua vez, reage como uma garota assustada a qualquer desafio moral que se apresente.
Há ainda uma quarta mulher, a criada Anna (Kari Sylwan), a única que dá a Agnes o remédio capaz de aliviar sua dor: calor humano.
Hipersensibilizada pela morte da própria filha, Anna transfere seu sentimento materno para Agnes, acalentando-a junto ao seio nu -em uma das imagens mais tocantes de amor no cinema.
Mas o afeto de Anna por Agnes é um oásis em meio a um ambiente hostil, em que os ressentimentos e ódios mal se disfarçam por trás das cortinas pesadas, dos gestos ritualizados, dos sussurros.
Prazer estético e moral
É um filme claustrofóbico, que expõe impiedosamente a dor física e moral de seus personagens. Como explicar, então, a sensação de prazer estético e moral que proporciona ao espectador?
O gozo estético vem certamente da requintada e rigorosa construção visual do filme, de sua fotografia extraordinária na captação (ou simulação) da luz pré-elétrica (velas, lamparinas, luz natural), do modo como deixa na sombra parte do rosto de seus personagens, em esplêndidos closes.
Note-se que os "fade-outs" (escurecimentos) entre as sequências não se dão em preto, mas em vermelho, acentuando a textura sanguínea do filme.
Não foi por acaso que o diretor de fotografia Sven Nykvist, velho parceiro de Bergman, ganhou o Oscar por este filme.
O prazer vem também da simetria da estrutura narrativa, em que cada uma das mulheres vive um flashback revelador.
No caso de Anna, personagem aparentemente mais transparente e com menos esconderijos sombrios, em vez de flashback há um sonho ou visão que termina com uma imagem poderosa da compaixão, análoga à figura da Pietá.
Quanto à sensação de elevação moral que o filme proporciona, talvez a explicação seja simples: depois de mostrar os abismos de horror da alma humana, Bergman encerra seu relato ao ar livre, num momento de bonança, sobre o rosto doce de Agnes.
"Este deve ser um filme para nos dar consolo", escreveu Bergman. E cumpriu a intenção.
(JGC)

Filme: Gritos e Sussurros
Direção: Ingmar Bergman
Com: Harriet Andersson, Liv Ullmann, Ingrid Thulin, Kari Sylwan
Produção: Suécia, 1971
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc

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