São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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Combate ao crime deve ser globalizado, diz americano

SOLANO NASCIMENTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O norte-americano Keith Corbett, 48, defende uma espécie de globalização do combate ao crime organizado, mas por vias um pouco distintas daquelas que estão levando o mundo a internacionalizar a economia.
Procurador do Departamento de Justiça dos Estados Unidos no Estado de Michigan, ele acha que contatos pessoais e troca de informações diretas entre investigadores de países diferentes funcionam melhor que acordos formais entre governantes.
Acompanhado por dois colegas norte-americanos, Corbett participou na semana passada do encontro Agenda Internacional para o Desenvolvimento de Forças-Tarefas contra o Crime Organizado, realizado pela PF (Polícia Federal) na cidade-satélite de Sobradinho, a 30 km de Brasília.
Na quarta-feira, Corbett falou à Folha na Academia Nacional de Polícia, sede do encontro. Ele pediu para não ser fotografado de frente, alegando questões de segurança pessoal. A seguir, os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Por que o senhor defende uma espécie de globalização do combate ao crime organizado?
Keith Corbett - Os criminosos não respeitam fronteiras e as usam por saber que, saindo do país, tornam mais difícil sua captura.
Folha - A crescente internacionalização da economia aumenta a necessidade dessa integração contra o crime?
Corbett - Sem dúvida. Associações entre países, novos sistemas de transporte e de comunicação tornam o mundo cada vez menor. Isso facilita o deslocamento de criminosos.
Folha - Qual a melhor forma de conseguir cooperação internacional contra o crime organizado?
Corbett - A melhor maneira de alcançar isso é com contatos pessoais. Se nós, que trabalhamos com investigações, conhecermo-nos melhor, poderemos trocar informações mais facilmente. Acho que essa cooperação pode ocorrer diretamente entre pessoas, entre equipes de investigação, entre forças-tarefas, entre uma cidade e outra, sem necessariamente ser feito um acordo entre governos de diferentes países.
Folha - Na sua avaliação, se um criminoso brasileiro foge para os EUA, é melhor que ele seja procurado por policiais norte-americanos do que por brasileiros?
Corbett - Se um criminoso brasileiro vai para os Estados Unidos, os policiais norte-americanos têm maiores chances de caçá-lo, pois eles estão em seu país. O mesmo ocorre se um americano foge para o Brasil. Eu acho que a polícia brasileira tem mais chances de pegá-lo, pois um policial norte-americano não conhece a língua, as cidades e os hábitos das pessoas aqui.
Folha - Como têm funcionado as forças-tarefas norte-americanas contra o crime organizado?
Corbett - Temos tentado fazer investigações conjuntas. FBI (Birô Federal de Investigação), DEA (departamento antidroga norte-americano), polícias estaduais e polícias locais trocam informações e trabalham juntas. As forças-tarefas atuam desde a década de 60, e hoje há 18 em todo o país.
Folha - O sr. disse a policiais brasileiros em uma palestra que algumas vezes há conflitos dentro das forças-tarefas. Como ocorrem?
Corbett - Em algumas situações, uma agência de investigação tem uma informação importante e não quer compartilhá-la. Os investigadores pensam: "Se nós trabalhamos e desenvolvemos a investigação, por que precisamos passar a informação para outras pessoas, por que alguém mais deve tê-la?"
Resolver esse tipo de problema demora algum tempo. Nós sentamos, conversamos a respeito e geralmente chegamos a um acordo. Algumas vezes, uma agência tem uma informação parcial e depois fica sabendo que outra agência tem outra parte da informação. A base do trabalho de cooperação é a confiança. Precisamos confiar uns nos outros e trabalhar como um grupo.
Folha - Quais são as maiores dificuldades para prender pessoas envolvidas no crime organizado?
Corbett - A organização criminosa é muito sofisticada. Hoje, os grandes criminosos se movimentam muito e não fazem mais as coisas pessoalmente. Eles não tocam em drogas ou em outras coisas perigosas. Eles têm advogados para trabalhar para eles. Prender pessoas poderosas é demorado. Há também o problema do medo. Como os criminosos são muito poderosos, as pessoas têm medo de falar sobre eles.
Folha - Quais são hoje os países favoritos para um criminoso que quer fugir para o exterior?
Corbett - Cada país tem diferentes tratados de extradição com diferentes países. Os criminosos avaliam o tipo de cada tratado quando decidem fugir. Dependendo do crime que eles cometem, vão para um país diferente. Eu trabalho em investigações envolvendo a máfia nos Estados Unidos.
Se um mafioso que comete um crime comum volta para a Itália, nós podemos pegá-lo, pois temos tratado de extradição. Mas, se ele comete um crime de sonegação fiscal e vai para a Itália, não podemos trazê-lo de volta porque não temos tratado de extradição para esse tipo de crime.
Folha - O Brasil é um dos destinos preferidos para criminosos que fogem dos Estados Unidos?
Corbett - Costumava-se dizer que o Brasil era um bom destino para criminosos. Eu acho que, agora, temos um bom relacionamento com o Brasil e acreditamos que podemos pegar qualquer criminoso importante que venha para cá, com colaboração brasileira.
Folha - O sr. é favorável à extradição de Ronald Biggs, que assaltou um trem postal no Reino Unido e fugiu para o Brasil?
Corbett - Eu sei que esse é um caso muito importante para vocês, mas eu não conheço suficientemente as leis brasileiras e britânicas para dar uma opinião.
Folha - E quanto à advogada Jorgina Maria de Freitas, que fraudou a Previdência no Brasil e está na Costa Rica?
Corbett - Problemas de extradição costumam ser muito complexos. Vou dar o exemplo do Canadá, que é um país muito próximo dos Estados Unidos, não só geograficamente, mas também por causa da língua e das tradições jurídicas semelhantes. Se um norte-americano condenado a morte vai para o Canadá, pelas leis canadenses ele não pode ser extraditado para os Estados Unidos porque será executado.
Folha - O sr. acha que leis que tratam de extradição deveriam ser modificadas?
Corbett - Acho que precisamos seguir discutindo qual é a melhor forma de fazer com que um criminoso retorne a seu país. Se alguém comete um crime no Brasil ou nos Estados Unidos, por exemplo, nós precisamos achar uma forma de fazê-lo voltar a seu país.

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