São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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A Bolsa é o bolso

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - "O erro do comunismo foi ter colocado a utopia acima da humanidade." O diagnóstico é de Boris Ieltsin, feito na semana passada, por ocasião das discretas comemorações dos 80 anos da Revolução de 1917.
Não gosto da palavra "perfunctório", mas vá lá. Um perfunctório exame daquele movimento revela outro erro dramático de seus líderes: o de que o comunismo tornara-se inevitável, era o vento da história e teria de ser globalizado. Aqueles que não aceitassem a nova ordem estariam cometendo um crime de lesa-história e teriam de ser eliminados.
Assim se explicam os massacres, a guerra civil, as clínicas psiquiátricas. O capitalismo era um dinossauro, cairia de podre diante da modernidade. E, enquanto não apodrecesse de todo, a obrigação dos entendidos era combatê-lo com todas as armas possíveis. A única lei a ser obedecida era clara: a história não volta atrás.
Houve uma terceira guerra mundial não declarada, e não foi o comunismo que dela saiu vitorioso. Vivemos hoje sob o signo da globalização. O tal vento da história elevou o mercado acima da humanidade. A Bolsa é o bolso -e é ele que deve determinar as relações não apenas do Estado com a sociedade, mas as relações de todos os membros da sociedade entre si.
A simplificação é a mesma da tal utopia lembrada por Ieltsin. O ideal, qualquer que seja ele, deve pairar acima da massa de seres humanos que, em sua maioria, ainda vivem excluídos da imensa massa de bens que o mercado, idealmente, pode produzir.
Outro dia, tomei um táxi em São Paulo e puxei uma nota de R$ 50 para pagar uma corrida de R$ 18. O motorista esbugalhou os olhos e perguntou se eu o considerava rico para ter tamanho troco. Na certa, me considerou um milionário. Sinto que devia fazer uma ilação entre Ieltsin e esse motorista de táxi. Mas aprendi com os latinos que "intelligentibus pauca".

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