São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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Cidadania e responsabilidade

VILMAR ROCHA

A reabertura dos debates em torno da nova Lei de Imprensa expressa o amadurecimento da sociedade brasileira e, por si só, independentemente das posições, já é fato extremamente positivo.
Não há mais espaço para tratar temas de amplo interesse social apenas no círculo restrito do processo legislativo. Ainda mais quando está na ordem do dia a remoção de um dos últimos diplomas inspirados no regime de exceção, para que se construa norma legal que compatibilize o amplo conceito da liberdade de imprensa com as salvaguardas essenciais da cidadania, ambos especificados na Constituição.
Algumas das inúmeras opiniões veiculadas, sem o arrazoado necessário, interpretam o que não existe no projeto ou deformam o que está prescrito.
Em primeiro lugar, em momento nenhum foram criadas válvulas reguladoras da liberdade de imprensa. Tenho consciência de que a sua preservação é valor fundamental da democracia. Esse direito básico, assegurado em vários dispositivos constitucionais, é ampliado e garantido no meu projeto de lei.
Várias disposições ampliam e garantem a plena liberdade de imprensa em minha proposta. Desenvolvemos no projeto de lei ordinária o sigilo da fonte, de eficácia fundamental para a atividade jornalística.
A extinção da pena privativa da liberdade para crime de opinião é outro avanço considerável. Questão de importância estratégica foi a revogação dos dispositivos que vedavam a prova da verdade contra determinados cidadãos em razão da autoridade que exerciam. Não há uma só palavra no projeto que não seja a reafirmação da liberdade de imprensa.
O substitutivo, por outro lado, tem cuidado especial com o cidadão ao estabelecer medidas de proteção contra a possibilidade de seus direitos serem violados pelo livre exercício do jornalismo. Adotou-se o mesmo critério de desenvolver na lei ordinária o que disciplina a Constituição, que consagra a inviolabilidade da honra, intimidade, vida privada e imagem das pessoas. Também é de inspiração constitucional o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente do agravo.
Críticas parciais de veículos de comunicação levam a supor que o céu é o limite em matéria de reparação material. Não é verdade. O substitutivo estabelece parâmetros objetivos que o magistrado vai seguir para fixar o "quantum" da recomposição pecuniária.
A dificuldade natural a essa espécie de litígio não autoriza ninguém a estabelecer suspeição generalizada ou a raciocinar pelo absurdo no tocante à competência ou à idoneidade dos juízes para fixar indenizações com critérios já legalmente balizados pela norma.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vetoriais ao sistema jurídico, que mandam contrabalançar a reparação com a extensão do dano, ao lado dos critérios de avaliação já fornecidos pela lei, certamente instruirão a maioria das decisões, como ocorre em centenas de casos na prática forense diária para os quais a lei, muitas vezes, é menos atualizada e mais imprecisa.
Nem se deve esquecer, no calor do debate e na virulência de manifestos apaixonados, que vigora no país o duplo grau de jurisdição. Se um juiz fixar indenização desproporcional, haverá instância recursal para reparar o erro.
Para o direito de resposta, tivemos o zelo de imprimir rito procedimental bastante enxuto e ágil, visando eficácia imediata. É imprescindível que o cidadão tenha instrumentos para se defender dos abusos decorrentes do exercício da liberdade de imprensa. É intrínseco à democracia que haja mecanismo jurídico para compensar a descomunal situação de inferioridade do homem comum em relação ao poder da mídia.
O direito de resposta imediato vai funcionar não como punição a um mal causado, mas como inibidor da conduta irresponsável, ao mesmo tempo em que restabelece o direito do cidadão de recompor sua honra violada.
É necessário ressaltar que a imprensa brasileira, além do extraordinário avanço tecnológico e gerencial, tem prestado relevantes serviços ao país. Isso é evidente na luta pela democracia, nos esforços de moralização da atividade pública e nas denúncias dos desvios políticos dos atos de governos que, por ação ou omissão, ferem a cidadania.
Mas nenhum setor pode deixar de ser responsabilizado por abusos e crimes que venha a cometer, por mais poderoso, influente e socialmente vanguardista que seja. Só nos regimes que excepcionam a ordem jurídica há instituições ou cidadãos equivalentes às vestais.
Como relator da nova lei, sempre estive aberto ao diálogo com amplos setores da sociedade e entidades representativas do setor, como Fenaj, ANJ, Aner e Abert. De todos colhi sugestões valiosas para aperfeiçoar o projeto.
Hoje, após mais de um ano e meio de estudos e debates, a disposição é a mesma. O diálogo é o caminho; o tema é naturalmente polêmico e sensível. Entretanto, o que deve prevalecer no final é o equilíbrio e a responsabilidade na construção de uma lei que seja a favor da democracia e da cidadania no Brasil.

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