São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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ACM fatura com pacote e desafia FHC

FERNANDO RODRIGUES

FERNANDO RODRIGUES; KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Presidente tenta combater imagem de que senador baiano é quem manda no governo, mas enfrenta reação

KENNEDY ALENCAR
O presidente Fernando Henrique Cardoso queria aproveitar o pacote fiscal para minimizar o carimbo de que o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) é a pessoa que de fato manda no governo. Não deu certo.
ACM respondeu à manobra tomando como bandeira a derrubada do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF).
Ao tomar conhecimento de que o porta-voz da Presidência, Sergio Amaral, praticamente descartara a proposta, o presidente do Senado desafiou FHC no início da noite de ontem: "A equipe econômica manda lá, aqui mandamos nós. E nós (o Congresso) vamos agir pelo Brasil tanto quanto a equipe econômica ou mais".
Na segunda-feira, ACM começou sua reação contra FHC. Foi o primeiro político a combater trechos do pacote, consolidando a imagem de principal cabeça política do governo FHC.
Mesmo que o IRPF (Imposto de Renda de Pessoas Físicas) acabe prevalecendo, ACM terá vendido a imagem de grande defensor da classe média -algo que fez com objetivo político-eleitoral.
Na segunda, horas depois de a equipe econômica ter descrito as medidas na TV, ACM convocou uma entrevista coletiva em seu gabinete: "Sou contra o aumento do Imposto de Renda".
Nesse momento, a maioria dos políticos ainda tentava entender o pacote. A poucos metros dali, o líder do PSDB na Câmara, deputado Aécio Neves (MG), defendia a aprovação do pacote na íntegra.
"O PSDB não estimula mudanças nas medidas do pacote, porque entende que as que foram adotadas são as necessárias", dizia o tucano, cumprindo um papel combinado com FHC e seus assessores.
A contradição dos aliados governistas ficou reforçada porque a equipe econômica de FHC também emitia sinais trocados. O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, deu entrevistas na segunda admitindo mudar o pacote, desde que o valor da receita almejada (R$ 20 bilhões) fosse mantido.
No dia seguinte, o próprio FHC admitiu que poderia mudar o pacote. Usou os mesmos termos de Kandir, ressalvando a necessidade de manter a receita prevista. Ontem, FHC inverteu novamente os sinais, preocupado em não ceder uma vitória a ACM e por considerar ruins as alternativas apresentadas ao IRPF. Voltou a falar que é melhor não mexer no pacote.
Políticos de fora
Essa confusão reforça a posição de ACM. Enquanto os partidos governistas não se entendem, o presidente dá sinais ambíguos e a equipe econômica idem, só o senador pefelista mantém a mesma argumentação desde o início.
Para não passar a imagem de oportunista, ACM repetia: "O momento é grave, e o Congresso deve atender ao Executivo votando o pacote. Mas acho que podemos aperfeiçoar as medidas".
A estratégia foi decorrência direta da decisão de FHC de excluir propositadamente os aliados da elaboração do pacote. Queria demonstrar que é quem manda no país e que arbitraria sozinho quais medidas elaboradas pela equipe econômica seriam aplicadas.
Notórios colaboradores informais em momentos de crise, como o ministro Sérgio Motta (Comunicações), também ficaram fora da decisão. Motta só soube detalhes do pacote por intermédio de Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do BNDES e irmão de José Roberto Mendonça de Barros, secretário da Política Econômica.
FHC estava seguro de que a crise forçaria os políticos a aceitar o pacote. Só a partir de domingo começou a procurar líderes do Congresso. Chegou a falar pelo telefone com ACM, no domingo à tarde. O senador estava em Salvador. "Presidente, eu prefiro que o senhor não me descreva os detalhes das medidas", disse o pefelista.
O argumento usado por ACM foi trivial. "Muitos técnicos conhecem as medidas, que sempre vazam. Se algum político sabe, a culpa é sempre do político", disse.
"Bobagem", tentou conciliar FHC. Mas o pefelista se salvou de um comprometimento prévio com o pacote. "Nessas horas, saber demais pode ser até ruim", diria depois ACM a um aliado.
FHC tentou alcançar o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), em São Paulo. Mas Temer estava fora de casa. Quando voltou, encontrou os recados. "Passava de meia-noite, e achei melhor deixar para ligar no dia seguinte", diz o deputado.
Versão oficial
A versão oficial do Planalto é que faltou tempo para consultar políticos. A desculpa não colou. E a área política do governo ficou ainda mais contrariada.
Já durante a divulgação das medida, os políticos alinhavavam críticas. As mais recorrentes eram que os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Kandir não deveriam ter deixado a sala na hora do detalhamento. E que Malan diminuiu a seriedade do momento ao se referir ao secretário da Política Econômica pelo apelido de "Beto".
Outra consideração feita pelos governistas é que a forma de divulgação lembrou os pacotes anteriores, que fracassaram, soterrando a previsão de FHC de que a era dos sobressaltos econômicos acabara. Até agora, FHC estava excluído do time de pacoteiros eméritos como José Sarney e Fernando Collor.
Câmara e soluções
Enquanto ACM falava sem parar contra o que não considerava bom no pacote, Temer ficou sempre um tom abaixo. Isso aconteceu por duas razões.
Primeiro, porque Temer é um político de estilo mais comedido do que ACM. E, segundo, porque a Câmara tem muito mais dever de casa a fazer do que o Senado.
A Câmara tem duas reformas constitucionais para votar: a da Previdência e a administrativa. Temer está numa posição pouco confortável para criticar o governo. Primeiro, precisa mandar uma dessas emendas para o Senado.
Apesar disso, Temer tem concordado em tudo com ACM. "As coisas podem até ser feitas burocraticamente, mas com a audiência dos políticos", tem repetido.
Temer tem sido um dos que mais articulam para encontrar alguma saída para o aumento do IRPF proposto pelo governo. Nessas discussões, os partidos já começaram uma guerra particular. Todos tentam conquistar o título de pai da derrubada do aumento.

LEIA MAIS sobre o IRPF à pág. 2-7

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