São Paulo, sábado, 15 de novembro de 1997
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Antes tarde do que nunca

FABIO GIAMBIAGI

A crise das últimas semanas deixou como herança uma maior humildade dos que acreditamos no êxito da estratégia oficial de política econômica.
Uma coisa, porém, é reconhecer que as análises feitas até outubro mostraram-se excessivamente otimistas, que a sensibilidade da nossa economia a choques externos é maior do que muitos admitíamos e que o "mundo globalizado" é mais cinza do que gostaríamos.
Outra é fazer de conta que, nas atuais circunstâncias, o governo poderia ter feito algo muito diferente do que fez para que o país saísse da crise de perda de reservas em que mergulhou na segunda quinzena de outubro.
Há quatro motivos para a adoção do pacote fiscal. O primeiro, e mais importante, é a necessidade de tomar uma atitude para reduzir o "risco-país", diretamente relacionado, na percepção dos investidores internacionais, ao grau de passividade dos países diante da crise que várias economias vivem.
Recuperar graus de confiança que se perderam em função do temor dos investidores externos de aplicar seus recursos nos países emergentes, portanto, era fundamental para que o financiamento externo não desaparecesse.
O segundo motivo relaciona-se à composição da poupança: mesmo que o país mostrasse reagir à altura das circunstâncias, dificilmente o fluxo de capitais para financiar o déficit em conta corrente voltaria a atingir os montantes observados até recentemente.
Logo, era necessário reduzir o déficit em conta corrente; nesse sentido, é preciso perseguir a continuidade da redução da relação déficit público/PIB, para substituir poupança externa por poupança doméstica (pública).
A terceira razão é compensar a alta dos juros, procurando obter um "delta" de superávit primário maior do que o aumento da despesa de juros, de modo a atingir a meta de reduzir o déficit fiscal e aumentar a poupança pública.
Finalmente, tenta-se pavimentar o caminho para uma queda das taxas de juros a partir de dezembro/janeiro, dando mostras de que o governo continua sendo um devedor confiável e de que gerará o superávit primário necessário para evitar uma explosão do endividamento público.
A alternativa dos críticos teria sido a desvalorização. Não nos parece realista, porém, imaginar que, se ela tivesse sido adotada, o pacote seria evitado.
Pelo contrário. Sem a restrição de demanda imposta pelo lado fiscal, desvalorizar teria sido como acelerar em uma pista cheia de óleo: em matéria de aumento dos preços, iríamos rumo a um desastre. Com as medidas, o governo tenta ganhar tempo para aumentar o câmbio gradualmente, ao longo dos próximos anos, sem prejudicar a continuidade da queda da inflação.
Finalmente, alega-se que o governo deveria ter adotado as medidas antes. Isso, porém, não as condena. Nesse sentido, vale a velha frase: antes tarde do que nunca.

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