São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Roça e caça garantem a vida de 900 famílias

BERNARDINO FURTADO
DO ENVIADO ESPECIAL

Morando em casas de pau-a-pique cobertas de palha de palmeira, sem eletricidade, transporte e assistência técnica, 900 famílias de trabalhadores rurais assentadas na fazenda Cacique/Tucumã, no sudoeste do Maranhão, têm a missão de fazer do antigo latifúndio uma área produtiva.
Passados dois anos da implantação, o assentamento chama a atenção pelos efeitos devastadores das roças de toco -o primitivo método agrícola dos caboclos brasileiros, que consiste em atear fogo à mata e plantar depois das primeiras chuvas, em meio a restos calcinados de vegetação.
"Não temos dinheiro nem máquinas para fazer de outro jeito", diz o assentado Pedro Carneiro da Conceição, 37.
O incentivo que os assentados receberam para a produção até agora foi o financiamento do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera) para a compra de cinco vacas por família.
Antônio Oliveira Santos Filho, 22, mostra as vacas com orgulho. Diz não se importar com o fato de os animais produzirem dois litros de leite por dia, aproximadamente um quarto da média da pecuária leiteira nacional.
"O pessoal do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) disse que era melhor assim, porque, se fôssemos escolher vacas melhores, o dinheiro do financiamento só daria para comprar duas cabeças", diz Antônio.
A roça de toco, a venda do ipê (cada vez mais raro) e a caça de animais silvestres são comuns nos projetos de assentamento criados nos últimos dois anos pelo Incra na região. Na Cacique, a Folha flagrou caçadores armados de espingardas e um caminhão carregado de toras de ipê saindo da fazenda.
"Quase não tem mais ipê. Esse rapaz do caminhão nos ajudou a consertar trechos da estrada da fazenda que ficaram bloqueados depois das chuvas. Ele achou um restinho de madeira boa nos fundos da fazenda e paga R$ 50 por árvore para as famílias que estão assentadas lá", diz o assentado José Evangelista Santana, 56.
No assentamento Cikel, um complexo de quatro fazendas, somando 44 mil hectares, a cena de um grupo de meninos carregando um cuandu (roedor, espécie de ouriço) sintetiza o modo predatório de exploração da terra.
Eles disseram ter avistado o cuandu no alto de uma palmeira de açaí. Como não conseguiam alcançar o animal, cortaram a palmeira e, quando o cuandu veio ao chão, mataram-no a pauladas.
Técnicos
O engenheiro agrônomo César Carneiro, 36, diz que o desastre ambiental e os métodos primitivos de produção agrícola nos assentamentos no Maranhão refletem o descaso do governo federal com a assistência técnica e com o financiamento da produção nos projetos de reforma agrária.
Carneiro foi indicado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para a função de supervisor no Maranhão do Lumiar, programa de assistência técnica criado pelo Incra no início de 97.
Segundo ele, o Lumiar deveria ter um técnico de nível médio pelo menos para cada grupo de 75 a 90 famílias.
No Maranhão, há 3.250 famílias assentadas, o que demanda 44 técnicos (engenheiros agrônomos, economistas e técnicos agrícolas de nível médio). Só 19 foram contratados.
(BF)

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