São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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É preciso mudar a política cambial

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O Plano Real atravessa o seu momento mais difícil. O quadro internacional parece agora mais grave do que na época da crise do México. Países como o Brasil, que adotaram políticas econômicas temerárias, estão pagando um preço elevado.
As raízes da vulnerabilidade brasileira foram lançadas na fase inicial do plano, pela combinação de forte valorização cambial, abertura exagerada às importações e política fiscal frouxa.
O susto provocado pelo colapso do peso mexicano levou a alguma correção de rumos. Mas, com a retomada das entradas de capital, prevaleceu a acomodação.
Imaginava-se que o dinheiro estrangeiro e as privatizações permitiriam deixar as decisões espinhosas para depois da reeleição do presidente. De repente, desaba o castelo de cartas e o governo se vê obrigado a tomar medidas dolorosas para tentar salvar o seu principal trunfo político.
Ainda há condições de impedir o colapso cambial? Talvez não. A ligeireza com que se conduziu a economia nos anos recentes reduziu o Brasil à condição de refém das flutuações financeiras internacionais. Se a instabilidade externa se agravar, a crise pode desembocar em uma desvalorização forçada, realizada em condições caóticas e com alto custo social.
Para tentar tirar o país da zona de risco, seria preciso atacar as raízes da sua vulnerabilidade externa. As medidas recentes, de elevação dos juros e contenção do déficit público, não são suficientes. Só fazem algum sentido se forem vistas como preparação para uma mudança mais profunda da política econômica externa, especialmente no campo cambial.
É verdade que o ajustamento recessivo reduz as importações e gera excedentes exportáveis. Os juros altos podem, dentro de certos limites, atrair capitais estrangeiros ou pelo menos impedir a sua saída.
Mas essa política tem custos muito altos em termos de desemprego, instabilidade do sistema financeiro e desequilíbrio das contas públicas. Além disso, não resolve o problema. Assim que a atividade econômica voltar a um ritmo mais normal, o desequilíbrio das contas externas reaparecerá.
É preciso desvalorizar o real de forma mais acentuada. Infelizmente, a correção gradual em relação ao dólar, iniciada tardiamente, em 1997, foi mais do que neutralizada pelo fato de muitas moedas terem experimentado desvalorizações reais mais significativas, particularmente na Europa e no leste da Ásia. Em relação a uma cesta de moedas, o real continuou se valorizando.
Assim que passar a turbulência, o governo poderia aproveitar a temporada de juros estratosféricos para acelerar o ritmo das minidesvalorizações. Outra possibilidade seria promover uma mididesvalorização. A mudança da política cambial precisaria vir acompanhada de um reforço da política de comércio exterior, com mais ênfase na promoção de exportações e maior rigor em termos de importação de bens e serviços.
Realizada no momento apropriado, a desvalorização cambial não teria efeito inflacionário apreciável. O início do ano que vem pode ser uma época propícia. A economia estará bastante desaquecida ou até em recessão, em função da sazonalidade e, sobretudo, das medidas monetárias e fiscais recentes. Em consequência, o desequilíbrio externo estará diminuindo.
Além disso, com a inflação muito baixa e a economia mais desindexada, é perfeitamente possível alterar preços relativos, como a taxa de câmbio, sem produzir efeito duradouro sobre a taxa de inflação. De qualquer maneira, numa economia de proporções continentais como a nossa, os preços ligados à taxa cambial não têm influência dominante sobre o nível geral de preços.
Vamos parar de confundir estabilidade monetária com estabilidade cambial! O que interessa estabilizar não é o valor externo da moeda, mas sim o seu valor interno, medido por índices de preços ao consumidor. Uma desvalorização bem preparada e feita na hora certa ajudaria a consolidar a estabilização monetária e a retomar o crescimento econômico.

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