São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997 |
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O menino, o maconheiro e o psicólogo infantil
MARILENE FELINTO
O menino, que aniversaria no final do mês, gosta de música, sabe tudo sobre bandas de pop e rock. Assiste à MTV como quem vai à escola, tem aparelho de som, walkman, aprende violão, já lê partitura, coleciona CDs, seleciona canções, grava fitas, quer formar uma banda quando crescer. -Você pode me dar um CD do Planet Hemp no meu aniversário? -Do Planet Hemp? Esse grupo que foi preso? -É. -Como assim? -a tia diz, sinceramente espantada.- Eu nunca ouvi você falar desse grupo. Você já conhecia? -Conhecia de nome, claro. -Mas eu nunca ouvi você falar deles. -E daí? Mas eu conhecia. -Mas eu não estou entendendo. Por que você quer um disco deles justo agora? Eles são maconheiros. Você não viu o que aconteceu? -E daí? Nada a ver. A música deles é super da hora. É dez. -Mas a música fica falando de maconha. Para que você quer? -Para querer, ora. (Risos) E daí que é de maconha? Nada a ver. Eu só quero por causa da música. -Acho péssima idéia sua. Eu nunca nem tinha ouvido falar desse grupo. Não deve ser tão bom assim... E você só tem 8 anos. Acho um absurdo eu te dar disco de maconheiro. -Ai, o que que tem? Você é ridícula. Vai dar ou não? -Não vou entrar numa loja para comprar um disco desse. -Tudo bem. Você me dá o dinheiro e eu compro. -Tudo bem. Mas continuo achando um absurdo. Se um dia você fumar maconha, eu te mato menino. Pois é, ridículo. E a culpa estava toda na autoridade que resolveu desastrosamente prender o bando de idiotas do Planet Hemp -coisa mais adolescente, a polícia, o juiz, a música, o Planet Hemp, tudo. Ridículo. O "eu te mato" da tia talvez reproduzisse a mesma antipedagogia da autoridade do Estado. O efeito tinha sido o contrário no processo mental do menino: se a autoridade proibiu e prendeu, é bom. Esses meninos de hoje têm seus códigos próprios, seu próprio senso moral. Como são muito informados, sabem de muitas coisas, têm desejos complexos e variados. Não conhecem a enigmática droga alucinógena, mas intuem. Entendem a publicidade. Fosse há 30 anos, apenas duas gerações atrás, viriam chineladas, cascudos, tabefes, castigos de todo tipo para um pedido ousado desses. Hoje, não. Esses meninos urbanos, rapazinhos de 7, 8 anos, já fazem terapia, sentam-se cara a cara com o psicólogo. Impotentes para exercer a repressora autoridade paterno-filial de que fomos nós mesmos as vítimas, entregamos tudo (ainda que sob protesto) à loja de discos, ao psicólogo infantil. "Tudo a ver", contanto que os meninos sejam mais felizes do que nós. Tomara. E-mail mfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Governo destina poucas verbas Próximo Texto: Garotos dominam agente e fogem no Rio Índice |
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