São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
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Brasil pode ter 10 mil com vírus sem saber

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O mais recente ocupante da enfermaria pediátrica do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, é uma menina de 9 anos que só na segunda-feira descobriu que tinha Aids.
A infecção foi descoberta porque sua mãe caiu doente de tuberculose no mês passado. Até agora, a menina só apresentava uma otite de repetição -inflamação do ouvido que pode acometer crianças com ou sem HIV.
A menina é uma das cerca de 10 mil crianças que estão vivendo com o vírus da Aids sem que ninguém saiba, nem a família, nem os serviços de saúde. Na maioria das vezes, são confundidas com crianças desnutridas.
A estimativa pode ser conservadora: epidemiologistas calculam que a cada caso notificado de Aids, três a quatro pessoas possam estar contaminadas.
No Brasil, são cerca de 4 mil crianças com Aids, cerca de 40% delas já mortas. Por esses números, o total de crianças infectadas poderia chegar a 15 mil.
"O quadro da criança com HIV é bastante semelhante ao da criança desnutrida", diz Wladimir Queiróz, que trabalha com Aids pediátrica no Hospital Emílio Ribas. Elas têm infecções bacterianas de repetição, como pneumonia, otites e diarréias crônicas. Segundo o médico, uma criança bem nutrida e sem HIV tem cerca de 8 a 12 resfriados por ano. Uma criança desnutrida ou com o vírus da Aids pode ter o dobro de casos.
"É um sinal que indica a doença ou a subnutrição", diz Queiróz.
A menina da enfermaria está entre as crianças chamadas de "long term non progressors", aquelas que passam dos 7 anos sem manifestação da doença. Elas representam 15% daquelas que pegam Aids de suas mães.
Metade delas adoece já nos primeiros dois anos. As outras -cerca de 35%- são as que chegam aos 6 ou 7 anos bastante doentes.
Congresso
Como lidar com essas crianças foi o tema de várias das conferências do 2º Simpósio Internacional sobre Aids Pediátrico que acontece em São Paulo. Além do uso dos antiretrovirais -que atacam o vírus e que serão debatidos hoje- é o tratamento adequado das intercorrências que vêm melhorando a sobrevida e a qualidade de vida das crianças. O acesso a novos meios diagnósticos e um melhor conhecimento das doenças ligadas à Aids estão permitindo tratamento mais eficaz.
O serviço da médica Marinella Della Negra, no Emílio Ribas, já atendeu cerca de 700 crianças, a primeira delas em dezembro de 1985. Hoje, são cerca de 400 crianças acompanhadas, cem delas ainda sob suspeita. Entre os mais velhos, há um menino com quase 14 anos, dois com 13 e dois com 12.

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