São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Ioussef Chahine filma país brega e chique

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Ioussef Chahine é um homem de coragem. Antes de os fundamentalistas investirem com terror contra a indústria do turismo do Egito, ele já era um homem marcado para morrer.
Desde 1994, ano do seu maldito filme anterior, "O Emigrante", proibido aos egípcios para conter a ira dos fundamentalistas do islã, depois de 900 mil espectadores e nove semanas em cartaz.
Motivo da censura: o diretor Chahine se atrevera a levar ao cinema uma inspiração do tempo dos faraós. Uma história cheia de resignação, humanismo e perseverança na qual o filho rejeitado de um pastor aproxima-se do poder dos faraós e aprende a fertilizar o deserto.
Três anos depois, graças ao suporte financeiro francês, Chahine surpreendeu com o seu maior atrevimento: "O Destino", um musical "endiabrado" e inflamado, francamente levado ao confronto contra os radicais da religião. "O Destino", que já tem distribuição garantida no Brasil, é o primeiro filme do bloco de países muçulmanos contra a intolerância dos seus próprios fundamentalistas.
"O Destino" se vale da obra do filósofo andaluz Averoes. Para aplacar a ira dos radicais do seu tempo, o califa Al Mansur ordena que sejam queimados todos os livros de Averoes. O mesmo artifício usado contra Chahine, em 94.
Familiares e seguidores de Averoes decidem copiar os manuscritos do filósofo e contrabandear seus livros para além das fronteiras de Córdoba.
Culturas do Nilo
É difícil imaginar o Egito sem Chahine. Ele é o elo cinematográfico entre o que há de mais brega e o que há de mais requintado na cultura do país que tem o passado mais fascinante entre todas as civilizações que deixaram algum traço de existência.
Chahine é pura fascinação por essa cultura capaz de declarar longas e taradas paixões sem que um casal apareça no filme se roçando ou se beijando languidamente. Como? Muito simples, cantando e cantando a qualquer pretexto e em qualquer filme.
Como o indiano, o cinema egípcio adora mostrar seus personagens se resolvendo por meio do canto. É como se eles vivessem na realidade um estágio que o Ocidente rapidamente superou ao longo dos anos 30 com o seu cinema falado, cantado e dançado. O público dos cinemas do Egito ainda extasia-se com esse estágio existencial. E Chahine usa essa linguagem para passar o seu belo e corajoso recado.
E ele não se comprometeu isoladamente com "O Destino", justamente destacado em Cannes com o prêmio do cinquentenário do festival.
A atriz Laila Eloui, presidente do júri da 20ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1996, e personalidade mais popular do cinema egípcio em todo o Oriente Médio, puxa o elenco do seu novo filme no papel de uma cigana roliça e rebelde. Eloui representa mais um desafio de Chahine aos fundamentalistas, que reservam às mulheres o humilhante papel da servidão.
O exemplo de Chahine e Laila Eloui deve ser admirado e seguido. Não se deve permitir que o país afunde nas trevas do obscurantismo político-religioso.
O Egito permite um dos turismos mais fascinantes, com exagero, desde o ano 74 a.C. No mínimo, desde a colonização francesa e britânica e a abertura do canal de Suez em 1869.

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