São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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O bonde do terceiro ciclo

LUÍS NASSIF

Na segunda metade do século, o Brasil experimentou dois ciclos de expansão -JK e "milagre" dos anos 70- e se prepara para o terceiro, o ciclo da abertura. Esse ciclo sobreviverá ou não à crise internacional? Especialista em políticas de desenvolvimento, o ex-ministro Paulo Haddad acredita que sim.
Sua definição de ciclo é o de um processo longo, em torno de uma década, a taxas de crescimento de 6% no PIB e de 10% no PIB industrial. Esses ciclos são precedidos por um conjunto de reformas econômicas e um ambiente externo favorável.
No campo das reformas, Haddad acredita que as grandes linhas macroeconômicas já foram dadas, representadas pelas privatizações, concessões e desregulamentação, pelo fim da discriminação contra capital estrangeiro e pela reestruturação da economia, produzida pela manutenção de regras estáveis.
Em cada ciclo, há elementos de natureza estrutural, que transcendem as vãs planilhas dos cenários matemáticos.
O primeiro deles são as novas idéias, concepções e paradigmas, reorientando a ação dos agentes. Nesse ciclo, esses paradigmas são representados pela globalização financeira, industrial e comercial, pela competição e pela busca da produtividade.
No caso brasileiro, há duas idéias-força, já assimiladas pela sociedade: a idéia da "sustentabilidade", isto é, da necessidade de plantar projetos no presente com condições de sobrevida no futuro; e a idéia da "endogenia", ou seja, da mobilização de recursos para dentro das empresas ou regiões, visando resolver problemas de natureza econômica ou social, ou aproveitar novas oportunidades.
A "endogenia" consiste das seguintes etapas, de acordo com a conceituação de Albert Hirschman, o maior especialista mundial em desenvolvimentismo:
1) Inconformismo - Quando ocorre um agravamento dos fatores e as pessoas resolvem reagir. 2) Diagnóstico - Quando conseguem entender por que estão perdendo. Nas regiões, costuma se dar por meio de fóruns de desenvolvimento. 3) Agenda de mudanças - A definição do que precisa ser feito. 4) Implementação - A arte de negociação política para tornar concretas as providências necessárias. Envolve parcerias e busca de apoio.
Condições estruturais
O segundo fator são as condições estruturais favoráveis.
No Brasil, há uma diversidade de recursos naturais. Mesmo reduzindo a importância das matérias-primas, em uma sociedade altamente tecnológica, o Brasil tem uma ampla biodiversidade (matéria-prima fundamental na nova etapa tecnológica), controle da tecnologia do Cerrado, e processos de uso mais racional das várzeas, que conferem grande possibilidade de aumento da produção de alimentos.
Por outro lado, há uma classe empresarial dinâmica. Sua medição é a capacidade de sobrevivência das empresas em ambiente de abertura. Na Argentina, os empresários tornaram-se rentistas; no Chile, houve ampla desindustrialização. No Brasil, ao lado de mortos, houve sobreviventes, firmemente empenhados em modernização tecnológica.
Há a redemocratização. Da extrema esquerda à direita consolida-se a percepção das soluções políticas negociadas -calcanhar-de-aquiles dos modelos autoritários do Sudeste Asiático. No Peru e Colômbia persistem a violência e o incitamento à desobediência civil como elementos de rotina. São ingredientes que espantam qualquer investidor internacional.
Há uma tradição histórica de desenvolvimentismo. A média anual de crescimento per capita do PIB brasileiro de 1913 a 1980 foi de 2,9%, muito maior do que a maioria das economias emergentes e consolidadas.
Há a estabilização do crescimento populacional. Entre 2030 e 2040, estima-se crescimento zero. Isso significa maiores facilidades para trabalhar a questão social.
O maior desafio é compatibilizar o médio com o curto prazo. Daí a necessidade de programas de estabilização que jamais percam de vista a visão estratégica de país, conclui Haddad.
Cemat
Privatizada ontem, a Cemat (Centrais Elétricas do Mato Grosso) foi um dos mais eloquentes exemplos da incúria de estatais estaduais, geridas sem controle. Quando assumiram a empresa, os técnicos federais depararam-se com "gatos" (ligações clandestinas) em alta-tensão; e com um diretor financeiro que aceitava cheques pré-datados -que, em períodos de inflação alta, demorava para depositar de acordo com uma tabela cobrada da clientela.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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