São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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'Anahy' tem os pampas, mas desperdiça a história

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
DA REDAÇÃO

'Anahy' tem os pampas, mas desperdiça a história
Que os pampas e os cânions gaúchos rendem boa fotografia, todos sabem, inclusive o diretor Sérgio Silva, que confiou no trabalho de Adrian Cooper para não desperdiçar esse atrativo no seu filme "Anahy de las Misiones".
Que a Guerra Farroupilha (1835-45), em que as tropas de Bento Gonçalves, com o apoio do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, tentaram construir um São Pedro do Rio Grande livre do jugo imperial, é um grande tema, outra obviedade.
Tanto que o roteiro tirou a lendária Anahy (Araci Esteves) da Guerra da Cisplatina (Uruguai) para reencarnar a mascate nessa revolução perdida.
Que a Revolta dos Farrapos (outro nome do levante) pode render grandes histórias para brasileiros de todo o país, o escritor Erico Verissimo já provou com o inesquecível capitão Rodrigo Cambará, em "O Continente", primeira parte (em dois tomos) de "O Tempo e o Vento". Tomos, aliás, que renderam, em 1985, uma das melhores séries da televisão brasileira, de fazer inveja a produções cinematográficas recentes.
Aproveitando-se desses consensos, o filme tentou mostrar a vida não de protagonistas do período, mas a história de uma família inicialmente sólida (baseada na autoridade materna de Anahy), num tempo em que nada era seguro.
Matriarca típica gaúcha, com sua ascendência indígena, ela não apenas faz a mediação econômica entre os insurretos farrapos e os oficialistas galegos (ou caramurus), mas também transmite a dura cultura a seus filhos e agregada.
Falar gaúcho da época
Para mostrar esses personagens que rodeiam a história da guerra, um dos recursos utilizados foi tentar reconstruir o modo de falar no interior gaúcho no período, um português que utiliza uma estrutura mais próxima do espanhol.
As expressões do período tocam no espaço da memória destinado ao passado: pessoas vivem mui solitas, têm medo de se aquerenciar e se acarinham no inverno brabo -de relancina, porém, a chinoca pode se deixar servir, e só mais tarde é que a madre saberá que ela está prenha.
É um jeito que prende, que exige a atenção do público, ao mesmo tempo em que é prazeroso por revelar todas a possibilidades que a língua portuguesa oferece e como essas estruturas e expressões estão intimamente ligadas a uma cultura perdida num pedaço do Brasil do século 19.
Ou seja, "Anahy de las Misiones" tinha tudo para fazer história no cinema brasileiro: paisagem, enredo, possibilidade de diálogos marcantes. Mas não aconteceu. Ao contrário.
A fotografia funciona quase sempre, mas o enredo se perde com uma frequência indesejada, e a direção só mostra um resultado extraordinário na cena final, quando fotografia, enredo e movimento de câmera se casam com perfeição.
Atrapalham muito mesmo os atores, na sua maioria pouco afeitos ao trejeito de falar que têm de reproduzir, e a dublagem (embora se passe ao livre, as cenas foram todas regravadas, o que garante momentos constrangedores, como quando Anahy se joga à lama após a morte de um filho).
Merece registro a participação muito especial do ator Paulo José, que, diga-se, dirigiu a série "O Tempo e o Vento" para a televisão.

Filme: Anahy de las Misiones
Produção: Brasil, 1997
Direção: Sérgio Silva
Com: Araci Esteves, Marcos Palmeira e Dira Paes
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1 e Estação Lumière 1

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