São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Doadores de FHC são devedores da União

MARTA SALOMON
LYDIA MEDEIROS

MARTA SALOMON; LYDIA MEDEIROS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Empresas estão no Cadin, espécie de SPC do governo, mas podem fechar negócios com órgãos federais

Entre os 40 maiores doadores da campanha eleitoral do presidente Fernando Henrique Cardoso, um conjunto de 12 empresas recebeu da União, somente neste ano, cerca de R$ 100 milhões -ou 15 vezes o valor da contribuição paga três anos atrás ao então candidato ao Palácio do Planalto.
Essas empresas têm algo mais em comum: são devedoras do governo. Todas elas aparecem nos registros do Cadin (cadastro informativo de créditos não quitados, uma espécie de "SPC" do governo federal), consultados pelo gabinete do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) na última terça-feira.
É necessário salientar que, no registro do Cadin, também aparecem empresas devedoras que não doaram para a campanha de FHC.
Quando alguém dá um cheque sem fundos ou deixa de pagar prestações de um crediário, vai para o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e fica com o nome sujo e sem crédito na praça.
Mas quem tem o governo como cliente está longe dessa aflição. No caso das empresas que doaram dinheiro à campanha do presidente, elas nem precisaram de um favor especial.
Nada impede que a Andrade Gutierrez, por exemplo, apareça como devedora do Banco do Brasil e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e receba dos cofres do governo federal mais de R$ 77 milhões em 11 meses, resultado de grandes contratos fechados com o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) e com o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
O valor pago à empreiteira bateu o recorde no grupo dos doadores inadimplentes.
O recorde do número de registros no Cadin foi batido por outra empreiteira mineira, a Mendes Júnior: 24 no total, acumulados desde antes da eleição de FHC.
Na época em que doou R$ 560 mil à campanha do presidente, a empresa já estava em situação "pré-falimentar", afirmou à Folha sua assessoria de imprensa.
Nada impede também que essas mesmas empreiteiras, inadimplentes com o governo ou não, voltem a colaborar com a próxima campanha presidencial.
Entre a campanha e as ordens bancárias de pagamento às empresas, FHC baixou uma medida provisória que proibia financiamentos, contratos ou incentivos fiscais aos devedores.
Mas tal proibição teve vida curta. Foi suspensa por liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) há um ano e meio, a pedido da CNI (Confederação Nacional da Indústria). A entidade alegou que o governo não podia discriminar seus devedores. "Qualquer banco ou empresa pode se recusar a emprestar dinheiro ou contratar quem lhe deve, mas o poder público, não", sustenta Sérgio Pyrrho, subchefe do departamento jurídico da CNI.
"As dívidas devem ser cobradas na Justiça, sem nenhum tipo de coação", insiste.
A CNI chegou a pedir a extinção do Cadin, mas sua vitória no STF foi parcial. A liminar contra a punição aos devedores saiu em junho de 96. O governo não questionou a decisão dos ministros do STF.
Resultado: à espera de uma decisão final do STF, o Cadin transformou-se em um mero "manual de consulta" do governo, incapaz de impedir negócios entre devedores da União e o próprio governo.
O julgamento final do STF não tem data marcada. Ações semelhantes, movidas pela própria CNI, já se arrastam há seis anos.
A guerra da CNI contra o Cadin é antiga. Começou na criação do cadastro, por decreto presidencial, em 1993. O decreto foi derrubado pelo STF. O governo insistiu e baixou uma medida provisória. Ela já completou 28 meses, e não há previsão de votação no Congresso.
"Não é uma medida pacífica e por isso não foi votada até hoje", avalia o relator, deputado Saulo Queiroz (PFL-MS). "Não há interesse em votar, e eu diria que há uma certa acomodação do governo", afirmou. Anteontem, Queiroz se reuniu com empresários em São Paulo para discutir o Cadin.
"Essas entidades dizem que o Cadin significa uma perturbação burocrática monumental. Ouvi uma chiadeira para ninguém botar defeito", relatou o deputado.
Colaboradoras
Além da Mendes Júnior, acumulam dívidas desde 1994 a construtora OAS, a Companhia de Cimento Portland Rio Branco e a Itabira Agroindustrial S/A.
"É estranho que uma empresa que deve dinheiro ao governo tenha interesse em contribuir para uma campanha. Parece que está em busca de favor", observa o deputado Augusto Carvalho.
Empresas incluídas no cadastro contestam a atual condição de inadimplentes. Elas alegam que estão discutindo as dívidas ou os seus valores na Justiça.
A assessoria de imprensa da Andrade Gutierrez classificou o registro no Cadin de "altamente autoritário". O departamento financeiro da OAS afirma que a empreiteira foi apenas avalista de obras financiadas a cooperativas pela Caixa Econômica Federal e, por isso, não poderia ser apontada como devedora em 2 dos 4 registros que mantém no Cadin.
A construtora Mendes Júnior contabiliza um total de R$ 1,5 bilhão em dívidas com o governo, mas sustenta que é credora de outros R$ 4 bilhões.
Outro lado
"Não houve nenhum tipo de favor às empresas doadoras", afirmou o secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas.
Segundo ele, o Cadin tornou-se "menos potente" em consequência da decisão do STF de barrar o dispositivo que impedia negócios entre a União e seus devedores. Eduardo Jorge disse que o governo aguarda uma decisão final do STF.
Enquanto isso, as empresas devedoras que negociam com o governo não sofrerão punições. A lei garante o direito de elas discutirem na Justiça suas dívidas.

Texto Anterior: "O presidente perdeu"
Próximo Texto: O Idec é um campeão: pega, processa e cobra; Perigo na caixa; Plhçd; A década de 80 não foi perdida; A esperteza foi tanta que comeu o dono; Granja Pitta; Recordar é viver
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.