São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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O Idec é um campeão: pega, processa e cobra; Perigo na caixa; Plhçd; A década de 80 não foi perdida; A esperteza foi tanta que comeu o dono; Granja Pitta; Recordar é viver

ELIO GASPARI

O Idec é um campeão: pega, processa e cobra
Uma pedagoga paulista de 37 anos está mostrando que aconteceram duas coisas boas. Uma é que o freguês começou a ganhar quando briga. A outra é que o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é um campeão. Poucas coisas dão tão certo quanto ele, numa área em que tanta coisa dá errado.
Ao caso da pedagoga:
No início do ano passado, ela estava com a garganta irritada, foi ao banheiro, pegou um frasco do "spray" Fonergin e apertou a válvula. Em vez de uma borrifada de remédio, viu-se alvejada pela haste da embalagem, que lhe foi parar no estômago. O objeto foi retirado num hospital, por meio de uma endoscopia. (A mesma coisa tinha acontecido em dezembro de 1995 ao PM Roberto Tozzi.)
A senhora procurou o IDEC, o IDEC procurou o laboratório Hoechst, e, nas primeiras tratativas, deu-se a velha história. Culpa dela, que manipulou errado o frasco. Culpa do PM, também.
O IDEC não desistiu. Aliás, parece que sua temível característica é essa: o IDEC não desiste. Em maio do ano passado, o Hoechst recolheu as embalagens de Fonergin e substituiu-as por outra, sem mísseis. Fez um acordo com a vítima e continua penando dois processos criminais. É possível que o sobrenome da pedagoga tenha pesado na decisão do laboratório, mas ele fica para o capítulo seguinte.
A mesma senhora tinha uma máquina fotográfica Nikkon 501. Há poucos meses, abriu-a e viu que tinha só a carcaça, pois o vazamento de uma pilha Duracell danificara os seus mecanismos. Voltou ao IDEC e, dessa vez, seu nome não foi mencionado. O IDEC procurou a Duracell, contou o caso e em pouco mais de um mês chegou-se a uma solução.
Como a Nikkon não fabrica mais o modelo 501, caso Beatriz Cardoso venha a fotografar a festa de Natal do Alvorada, onde reina seu imperial pai, estará usando o modelo 601 que recebeu da fábrica de pilhas.
Em nenhum momento o IDEC informou o nome da vítima. Foi uma vitória da sigla e da capacidade de resposta da Duracell.
Dá gosto contar o que o IDEC consegue. Por conta da tunga que os bancos deram na poupança de seus clientes em 1990 (Plano Verão), ele já processou 40 instituições. Recuperou R$ 1,4 milhão de 160 associados, derrotando todos os grandes bancos do país.
Encestou também as grandes empresas de saúde privada, beneficiando 30 mil consumidores que perderiam algo como R$ 10 milhões. Num tiro, impediu que a Telesp cobrasse às sextas-feiras as contas que venciam aos domingos. Tirou de circulação cerca de 200 antibióticos vendidos irregularmente. Arrancou a proibição de um hormônio de gado que afetava a saúde dos bípedes. Já abriu 1.800 processos.
Trata-se de uma ONG financiada por 42 mil associados (só aceita pessoas físicas), pela FINEP e pelas fundações americanas Ford e McArthur. Tem 54 funcionários, aos quais paga em média R$ 800 por mês. Custa R$ 1,7 milhão ao ano. Existe há 10 anos, seu serviço de atendimento opera em São Paulo, mas aceita chamadas de qualquer lugar. (Seu telefone é 011/872-7188 e pode significar um calvário para quem liga. Se no fax houver mais sorte, o número é 011/65-0310.)
O IDEC publica uma valiosa revista mensal. É a Consumidor S/A. Em dois anos, saltou de uma tiragem de 20 mil para 42 mil exemplares. Não aceita anúncios e, por enquanto, tem 24 páginas. Sua assinatura custa R$ 39. A cada número, faz a radiografia de um produto. No último, estudou os pacotes turísticos e as bebidas de sabor cola. No próximo, vai analisar os refrigerantes energéticos e as calças jeans.
Nas bebidas de sabor cola, vai tudo bem. No turismo, descobriram as seguintes maravilhas:
* As agências contam os dias de viagem como dias de pacote. Tudo bem, mas a CVC não deveria ter contado como dia de lazer uma jornada que começava às 0h15 num aeroporto, na viagem de volta.
* Nas viagens internacionais, os pesquisadores do IDEC procuraram saber em que hotéis seriam colocados. Receberam pequenas listas e verificaram que os consumidores quase sempre acabavam no pior.
Sugestão prática: leia o contrato com cuidado e não viaje sem ele. Guarde os anúncios. Eles têm valor contratual.
Testam tudo, de fornos de microondas a vassouras e biscoitos. Sempre que testaram marcas de leite, obtiveram bons resultados. Descobriram que o azeite de oliva Maria tinha 94% de óleo de soja e que as panelas de pressão Globo eram um perigo público. Acharam oito marcas de camisinhas que estouravam nas simulações. (A melhor nota ficou para a Jontex.)
Num teste de pastas de dente, informou que ela deve ser colocada no sentido transversal da escova, pois nesse caso gastam-se apenas 0,35 gramas do produto. No sentido longitudinal, como as empresas mostram na publicidade, gasta-se o dobro. Como o que importa é o cuidado na escovação, e não a quantidade de pasta consumida, cada tubo pode durar o dobro.
Se o pai da pedagoga tivesse chamado o IDEC para rever o texto do seu pacote, metade das encrencas em que se meteu teriam sido evitadas.

Perigo na caixa
Se ninguém reclamar, a presidência da Caixa Econômica Federal vai para o balcão político.
Seu atual presidente, Sérgio Cutolo, é boa aposta para o Ministério da Previdência.

Plhçd
Vai ao túmulo a proposta que o senador Sebastião Rocha preparou para a regulamentação dos planos de saúde. Antes do Natal, será votado outro texto.
Depois de um correto trabalho realizado na Câmara, o projeto foi ao Senado. Pelo regimento, ele não pode ser alterado. Podem-se fazer apenas supressões, desde que não alterem o sentido da matéria.
Como se suprimisse a vogal "a" da palavra palhaçada, Rocha produziu uma festa na qual as empresas de seguros são obrigadas a bancar calamidades públicas, que as obriga a cobrir quaisquer transplantes e em que é eliminado o prazo de 24 meses para que denunciem doenças preexistentes. Se fosse pouco, estende aos empregados demitidos por justa causa o direito de se manterem nos planos de saúde corporativos.
Veda também a entrada de empresas estrangeiras no mercado, única maneira de quebrar a farra dos custos médicos nacionais.
O senador fez demagogia. Sem relação direta com seu trabalho, outros espertalhões acreditam que podem se aproveitar da confusão, embaralhando o projeto e devolvendo-o à Câmara. Tentam deixar tudo como está.

A década de 80 não foi perdida
Uma pesquisa feita na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo revela que, de acordo com os indicadores de saúde associados à pobreza, a década de 80 foi ganha. De perdida, teve nada. Indica também que nos anos 90 os indicadores continuaram melhorando, num ritmo mais acelerado. (A pesquisa não tem conversibilidade eleitoral. Mesmo certos de que a estabilidade da moeda produziu novas melhoras, os autores informam que ainda não há dados disponíveis para o período.)
O trabalho é do professor Carlos Augusto Monteiro, da médica Maria Helena D'Aquino Benicio e da socióloga Isabel Cristina Martins de Freitas. Seus dados básicos são os índices de mortalidade infantil, desnutrição, escolaridade e fecundidade das mães. São indicadores sociais que medem os efeitos da miséria a partir dos seus efeitos.
A pesquisa informa, entre outras coisas, o seguinte:
* A mortalidade infantil caiu de 73 crianças mortas por 1.000 nascidas vivas, em 1980, para 37,7 por 1.000 em 1995. A queda acelerou-se entre 1992 e 1995, a uma velocidade de 7% ao ano, e se deveu sobretudo à melhora dos indicadores no Nordeste urbano. De 1977 a 1995, a taxa caiu a 4,8% ao ano.
O lado ruim das tabulações está na área rural nordestina. Enquanto entre 1977 e 1995 a mortalidade infantil caiu 5,3% ao ano no Centro-Sul, no Nordeste rural a queda foi de apenas 3,7%.
* Entre 1989 e 1996, acelerou-se a queda do índice de retardo de crescimento das crianças com menos de cinco anos.
Novamente, o Nordeste rural vai mal. Entre 1989 e 1996, o retardo de crescimento caiu a 6,5% ao ano no urbano, mas só a 2,6% no rural.
* As crianças criadas em casas sem água ou esgoto têm três vezes mais chances de sofrer retardo no crescimento. Há uma relação entre esse indicador de desnutrição e a escolaridade das mães, mas na última década a porcentagem de mães com menos de quatro anos de escolaridade caiu à razão de 3.5% ao ano.
* A melhoria da escolaridade das mães e a queda nos índices de fecundidade (5,8 crianças por mulher em 1970 e 2,3 em 1996) são os principais motores dessas melhoras. Novamente, a fecundidade no Nordeste rural é a que cai menos.
A pesquisa revela que a idéia de um Brasil avançando e um Nordeste parado está errada. O Brasil e o Nordeste urbano convergem na direção de melhores indicadores, enquanto o Nordeste rural se desgarra, indo para outro mundo.

A esperteza foi tanta que comeu o dono
FFHH gosta de repetir em suas entrevistas que "aqui ninguém está enganando ninguém".
Na semana passada, ele argumentou que o aumento do Imposto de Renda da Pessoa Física é socialmente justo porque toma de uma minoria que tem, em vez de tomar do povo todo, que muitas vezes nada tem.
Ele sustenta que só 8,6 milhões de pessoas fazem declarações de Imposto de Renda, e só 3,6 milhões têm algo a pagar depois de preencherem suas declarações. Nesse caso, tungaria apenas 3,6 milhões de pessoas num país com 160 milhões de habitantes.
Na melhor das hipóteses, há alguém enganando FFHH. Estão a enganá-lo feio na arte da manipulação estatística.
É falso que só 8,6 milhões de pessoas seriam atingidas por um aumento de 10% no Imposto de Renda da Pessoa Física. Pode-se estimar que cada declarante carrega consigo um dependente. Isso faria com que o pacote 51, na sua versão original, afetasse 17,2 milhões de pessoas.
É inócuo dizer que só 3,6 milhões têm imposto a pagar depois de terminar a declaração. Eles simplesmente já pagaram, porque tiveram parte de sua renda retida na fonte.
Com a reembalagem de sexta-feira pegaram-se algo como dois milhões de declarantes, quatro milhões de almas.
Esperteza, quando é muita, come o dono. Agora o tucanato não pode dizer que excluiu 13 milhões de pessoas dos efeitos do pacote. Terá que fingir que a mudança não foi tão boa nem tão profunda.

Granja Pitta
O prefeito Celso Pitta informa: se FFHH não entregar os R$ 300 milhões do BNDES (que prometeu), a cidade de São Paulo quebra antes do Natal.
De duas uma: ou ele a quebrou como prefeito, ou a recebeu quebrada de Paulo Maluf, de quem foi secretário das Finanças.
Nesse episódio, o ministro Pedro Malan vem agindo com sinal trocado. Fala aos microfones em segurar as despesas e aos telefones em soltar o dinheiro para a Granja.

Recordar é viver
O tucanato dizia o seguinte no dia 30 de agosto passado, na "Mensagem ao Congresso" que acompanhou o Orçamento de 98:
- A elevação temporária do déficit em transações correntes faz parte da dinâmica do setor externo desencadeada pela abertura econômica e a reestruturação do sistema produtivo.
Nesse dia, a Tailândia já estava no FMI, a Malásia já estava grogue, a rúpia indonésia tinha ido à breca, o won coreano, ao brejo, e o dólar de Hong Kong já estava atacado.
A passarada dizia que isso era bom para o Brasil.
Até aqui, tudo bem
As últimas pesquisas levadas ao Planalto indicam que o prestígio popular de FFHH não caiu tanto quanto a oposição gostaria.

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