São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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A culpa é da comadre

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Se o prefeito Celso Pitta fizesse com o Rio de Janeiro o que está fazendo com São Paulo seu prestígio estaria ainda mais em baixa. Por ser uma cidade bela, onde boa parte do tempo social é gasto nos exteriores, na rua, na praia, no parque, o Rio desenvolveu uma cultura narcísica relativamente eficaz quando se trata de cuidar do espaço público.
Por mais problemas que a cidade possa ter -e os tem, alguns graves- parece haver uma instância comunitária, um sentimento de pertencimento, ao menos nos bairros da zona sul, que reage às intervenções delirantes e ao excesso de desleixo. Esse sentimento foi reforçado há alguns anos, quando o Rio parecia prestes a transformar-se num lugar inabitável.
Seria muito difícil a prefeitura carioca, por exemplo, deixar o matagal crescer no Aterro do Flamengo ou nas suas praças sem uma resposta da sociedade -que tem a seu favor a idéia de que vive numa cidade turística, o cartão-postal do país.
Em São Paulo, esse aglomerado excêntrico de diversas cidades, impossível de ser percebido e conhecido como totalidade, o sentimento de pertencimento não parece tão presente -e as reações são mais fragmentadas.
Talvez por isso o prefeito Pitta acredite que possa, por exemplo, cortar 93% do serviço de preservação das praças. Não conta com uma reação mais compacta, embora a imprensa, para sua contrariedade, venha chamando a atenção para o descalabro.
Exatamente por ser um ambiente urbano áspero, pouco amigável, São Paulo mereceria um cuidado urbanístico bem mais consistente e sofisticado do que o que vem recebendo. As instalações estão deterioradas, as calçadas irregulares, as guias (meios-fios, em paulistês) esfarelando, os edifícios sem pintura, as margens dos rios transformadas em lixões.
Pitta diz que está tudo "equacionado", mas não tem dinheiro. E coloca a culpa, mais uma vez, em... Luiza Erundina. Sim, em entrevista publicada hoje pela Folha o prefeito afirma que o medo de que Erundina pudesse vencer a eleição levou a prefeitura a aumentar seus gastos e seu endividamento.
Muito bem, e o que a gente tem a ver com isso? É um escárnio. A prefeitura apostou na detonação do futuro em nome de uma conquista política baseada no mais cínico ilusionismo.
Vendeu-se a idéia de que o frenético ritmo de obras (assombrosamente caras) do sr. Paulo Maluf permaneceria na gestão de seu sucessor, que furou a fila da política com desenhos animados para boi dormir.
O resultado é visível nas ruas. A cidade, já castigada por um desemprego alarmante, vai-se enfeando e tornando-se ainda mais agressiva.
E o sr. Celso Pitta acredita estar sendo vítima de uma campanha dos adversários políticos que derrotou na eleição. É de amargar.

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