São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Estúdios do Jaçanã fundaram-se em paradoxos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Estranha, a Maristela. Enquanto a Vera Cruz virou um caso nacional, paradigma dos sonhos, aspirações e equívocos do cinema brasileiro nos anos 50, o legado da Maristela vegetou, quase inexplorado, por décadas.
Certamente, Afranio Mendes Cattani, que escreveu uma tese sobre o assunto -"A Sombra da Outra"-, e Mário Audrá Jr., que publica agora suas memórias cinematográficas, têm muito a dizer sobre seu sistema de produção, cujas diferenças em relação à Vera Cruz são, no mínimo, fascinantes.
A Maristela já surge trazendo uma contradição. Seu modelo é o cinema neo-realista italiano, embora acabe se instalando em grandes estúdios no Jaçanã e faça cinema de estúdio. Outro paradoxo: uma bela infra-estrutura e um grupo de comando de aprendizes.
Em seguida, é uma companhia que opta por gastos moderados e busca recuperar parte de seus gastos ora alugando os estúdios para produtores independentes, ora promovendo co-produções.
Seus elencos são modestos, quando comparados aos da Vera Cruz, e os problemas de distribuição, mais ou menos idênticos. Ambos, porém, ambicionam chegar ao mercado internacional.
A história da Maristela é uma mistura de épico e chanchada, cheia de reviravoltas, altos e baixos (mais baixos do que altos), disputas pelo poder, punhaladas pelas costas. Na verdade, ela ficava alguns degraus acima dos "cavadores" dos velhos tempos, ora abrigava-os, ora convivia com eles.
Talvez por isso seja impossível falar de um "estilo Maristela", embora no geral suas produções tragam um arejamento, às vezes um frescor que contrastam com a atmosfera contrafeita da maior parte das produções da Vera Cruz.
Assim, o modelo hoje é bem mais "O Comprador de Fazendas", de Alberto Pieralisi, que os mais ambiciosos "Simão, o Caolho", de Cavalcanti (que, Audrá analisa com precisão, tinha a ambição de ser universal, mas era estritamente paulista) ou "Quem Matou Anabela?", cujos problemas centrais não são de produção, como julga Audrá, mas de concepção.
Apoiou-se sobretudo em técnicos argentinos, como os fotógrafos Mario Pagés e Adolfo Paz Gonzales e o montador José Cañizares -forma econômica de agregar experiência técnica. Não é de esquecer, no entanto, que Aldo Tonti, o fotógrafo de Rossellini e Visconti, trabalhou para a companhia (fez "O Comprador de Fazendas").
Também no setor técnico, o legado da Maristela está longe de ser desprezível. Do produtor Alfredo Palácios ao fotógrafo Oswaldo de Oliveira e aos montadores Sylvio Renoldi e Luiz Elias, formou alguns dos mais importantes profissionais do cinema paulista.

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