São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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ÁGUA, SABÃO E VERGONHA

Cerca de 80% dos surtos de infecções hospitalares em unidades de tratamento intensivo de recém-nascidos poderiam ser evitados com água, sabão e vergonha na cara. Quem o diz é o médico Rubens Feferbaum, encarregado da UTI de recém-nascidos do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Deduz-se que a principal matéria-prima em falta nos hospitais é a "vergonha na cara", pois água e sabão são ou deveriam ser ingredientes básicos em estabelecimentos cuja função é cuidar da saúde das pessoas.
Exposto dessa forma, o argumento pode parecer simplista. Mas é isso o que propõe o médico do HC. As causas do desenvolvimento de bactérias em UTIs, segundo ele, são muitas vezes banais. Estão, por assim dizer, ao rés-do-chão. Reutilização de seringas, falta de pia para lavar as mãos, soro e leite contaminados, toalhas infectadas e profissionais despreparados são algumas das causas de transmissão de bactérias.
Ninguém ignora que a essa série de descuidos elementares e cotidianos somam-se problemas estruturais, tais como a falta de verbas e a superlotação. Mas isso não pode servir de pretexto para eximir de responsabilidade hospitais que, com uma incidência espantosa, estão se tornando câmaras de morte em grupo.
O caso que inaugurou a série recente de mortes coletivas foi o de Caruaru, Pernambuco, onde 64 pessoas chegaram a uma clínica de hemodiálise doentes e saíram de lá mortalmente envenenadas. Soube-se, desde então, da morte de dezenas de bebês em hospitais de lugares tão diferentes como Roraima e o interior paulista. Recentemente, foram noticiados mais dois surtos de infecção em hospitais paulistas, os quais mataram 12 bebês e atingiram outros dez.
É evidente que a melhoria das condições de saúde no país depende de políticas públicas de médio prazo. Mas evitar mortes gratuitas em hospitais é algo que parece factível imediatamente. Que tal começar a fazê-lo com água, sabão e vergonha?

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