São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Contrafluxo

ANDRÉ LARA RESENDE

As mudanças no pacote fiscal não foram bem recebidas. Grave? Antes de mais nada, faço um sumaríssimo resumo da crise. Toda a década de 80 foi um penoso processo de ajuste aos excessos de um ciclo de rápida expansão iniciado no final da década de 60. Razões de várias naturezas, entre elas o simples fato de sermos grandes, fizeram com que fôssemos um dos últimos expoentes da crise de endividamento da última década a reorganizar a casa.
Enquanto o México, o deflagrador da crise em 1982, se beneficiava de um novo mercado de financiamento externos, onde os tradicionais empréstimos bancários foram substituídos por dívida em títulos e pelos investimentos acionários, nós estagnávamos num emaranhado de problemas de toda ordem. Perdemos, assim, uma década de rápido crescimento da economia mundial.
Quando conseguimos nos equilibrar, equacionar a velha dívida e estabilizar os preços, já era tarde: o México, de novo, estava à beira da crise. Fomos obrigados a encurtar, já no início de 1995, o período de graça, de rápido crescimento e de crédito abundante que acompanha a estabilização. Como a nova crise externa mexicana foi rapidamente contornada pela ação internacional eficiente, viabilizada pela intervenção direta dos Estados Unidos, ganhamos tempo para prosseguir na reorganização interna.
De tanto serem enunciados, os principais pontos dessa reorganização correm risco de cansar antes de serem implementados. Mas -que jeito- volto a listá-los: a reorganização das finanças públicas com a retirada do Estado da ação empresarial direta, a reforma do sistema previdenciário, a reestruturação do sistema educacional, do mercado de trabalho e da saúde pública. Esses são os pilares da retomada do desenvolvimento.
São reformas profundas. Exigem formulação cuidadosa, negociação competente e ação persistente. Impossível implementá-las da noite para o dia. O acesso à poupança externa, ao mercado internacional de capitais, facilita essa árdua tarefa. Mas apenas facilita, não a substitui.
Acontece que o já longo ciclo de expansão da economia mundial pode estar por se encerrar. O Japão e as economias asiáticas, que foram estrelas do dinamismo dos últimos tempos, vinham dando sinais de esgotamento. Agora estão em crise aberta. Dada a magnitude dos desequilíbrios e a extraordinária supervalorização dos ativos na região, não se deve contar com uma solução rápida. A crise do endividamento latino-americano, proporcionalmente menor, levou uma década para ser digerida.
Volto então às mudanças no pacote. Trata-se de um conjunto de medidas emergenciais. Nenhuma medida é, em si mesma, essencial. O importante é agir de forma rápida, firme e não comprometer o todo. É evidente que aprová-lo integralmente seria preferível. Uma clara demonstração de coesão política.
Mais importante, contudo, é acelerarmos o projeto. Perdemos tempo, não há dúvida, mas temos a nosso favor o fato de estarmos no início do que pode vir a ser um longo ciclo de expansão e de oportunidades de investimento. Se soubermos nos organizar e fizermos o dever de casa, o fato de estarmos no contrafluxo da economia mundial pode, desta vez, vir a ser uma vantagem.

Texto Anterior: La cucaracha
Próximo Texto: Maus perdedores
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.