São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Não nos enganemos

MIGUEL JORGE

Não dá mais para ficar com posições e análises do tipo que sociólogos, políticos, acadêmicos, educadores, economistas, governantes -a sociedade brasileira, enfim- adotam quando abordam as causas e efeitos do problema.
Depois do estudo que indica 19,8 milhões de crianças de 0 a 14 anos vivendo em lares pobres, com renda de até meio salário mínimo por pessoa na família, não podemos mais nos enganar.
São números assustadores esses que aparecem no estudo do IBGE e do Unicef. Dividem, clara e cruelmente, o país em dois: um desenvolvido, com indicadores até aceitáveis e que melhoram; outro, o dos excluídos, no qual homicídios respondem por uma de cada quatro mortes entre 15 e 17 anos.
No Brasil que deu certo, vacinam-se nove em cada dez bebês e 89,8% das crianças estão na escola; no outro, a mortalidade infantil é semelhante à de países africanos.
Pelo trabalho, fica claro que o país continua longe da saída para ser socialmente justo. Mesmo com o recente fim do imposto inflacionário, favorecendo os mais pobres, tudo indica que o Brasil ainda é um "país em transição".
Para o Unicef, ainda não há políticas consistentes de educação e saúde. Menores de 18 anos, quase 40% dos brasileiros, só recebem 12,1% dos investimentos sociais, número que cresceria bastante com a racionalização dos recursos.
Segundo o IBGE, na faixa de 10 a 17 anos, 4,6 milhões estudam e trabalham; outros 2,7 milhões só trabalham, e mais de 1 milhão procura emprego. De 5 a 9 anos, 522 mil crianças trabalham duro, mais de 80% delas em áreas rurais.
Há mais: o analfabetismo entre 15 e 17 anos chega a taxas impressionantes em Estados como Alagoas (32,1%) e Piauí (20,1%), em contraste com São Paulo (1,1%) e Rio Grande do Sul (1,4%).
O documento revela, ainda, que pelo menos 658 mil crianças de 10 a 17 anos em Alagoas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte não estudam, não trabalham e não fazem tarefas domésticas. São vocacionalmente negligenciadas e vagam pelas grandes cidades no meio do crime e das drogas.
Em recente seminário sobre melhoria da qualidade de vida, a sra. Ruth Cardoso, presidente do Conselho da Comunidade Solidária, tocou no ponto central da questão ao afirmar que "os países devem ser éticos e políticos".
Numa sociedade que pretende ser econômica e socialmente moderna, a realidade mostrada por IBGE e Unicef merece muita reflexão. Não podemos ignorar a necessidade premente de que políticas ativas de proteção às crianças e adolescentes sejam implementadas, para que possamos virar o milênio em melhores condições.

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