São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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O rebotalho

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Rapidinho para colocar em votação e aprovar os projetos de interesse do governo, o Congresso jogou para os dois últimos dias da semana -quando já não há quórum- os que dizem respeito direto à sociedade, ou a parcelas da sociedade.
Exemplos: o programa nacional de renda mínima (ou bolsa-escola), o recurso sobre a regulamentação do aborto legal, a união civil dos homossexuais, o direito autoral, a utilização da Mata Atlântica, a exploração de áreas indígenas.
São projetos que não têm efeito macro (os tecnocratas adoram essa palavra), mas são caros a tantos e tão diferenciados setores da vida brasileira. Às famílias mais miseráveis. Às mulheres. Aos casais homossexuais. Aos autores de música, de peças, de livros. Aos índios sobreviventes.
Será que esses projetos e interessados são mesmo de segunda categoria?
Deputados e senadores estão sempre loucos para estar em casa -nos seus Estados- nas quintas à noite e nas sextas-feiras. Para votar projetos macro (aumentando impostos, por exemplo), é mais fácil ficarem até sexta. Mas para votar "miudezas"?
O Senado conseguiu livrar a própria cara. Votou ontem às pressas, e por unanimidade, o simpático projeto do Banco da Terra, criando um fundo para que agricultores e cooperativas comprem sua própria terra.
Os recursos vêm, por exemplo, das contas bancárias não reclamadas pelo chamado esquema PC e calculadas em R$ 450 milhões, segundo o relator Lúcio Alcântara (PSDB-CE).
O governo fez as contas e gostou. A oposição estudou e descobriu que não prejudicaria as desapropriações da reforma agrária e topou. Foi fácil.
A Câmara, porém, encheu a pauta desses projetos considerados secundários e de pouco apelo. Ficou com cara de empulhação: parecia que era, mas não era mesmo para votar. Sem quórum, melhor não arriscar, alertava Marta Suplicy (PT-SP).
Faltou alguém para lembrar aos responsáveis pela pauta e pelos votos em plenário que mulher, índio, gay e autor também são gente. E que o Congresso não existe para legislar em favor de governos, mas da nossa gente.

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