São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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Pese e pense

JANIO DE FREITAS

A força dos fatos está se tornando assustadoramente maior, como se os fados a comandassem para impor o reconhecimento da realidade obscurecida, há anos, pelo jornalismo envenenado de propagandismo político.
Já não é só o alarme do desemprego, é o próprio emprego que se degenera com a iminência de corte em salários. Não se encerra em fatos assim exemplares, porém, a desmoralização do propagandismo bem recompensado: também os números oficiais não conseguem mais conter-se nos limites da propaganda e tudo o que resta ainda ao propagandismo é não lhes dar a relevância merecida.
É o caso das evidências documentadas pelas Pesquisa de Orçamento Familiar, divulgada na quarta-feira pelo IBGE, com as conclusões da coleta numérica em nove regiões metropolitanas e mais o Distrito Federal e Goiânia.
Será suficiente, por ora, render ao frango a homenagem da prioridade, pois que erigido por Fernando Henrique Cardoso à condição de símbolo do êxito do Real e do seu governo. O grande aumento do consumo popular de frango, tão cacarejado pelos propagandistas, fica bem retratado na redução do consumo anual ao consumo diário, no entanto não apresentada pelo IBGE. Ei-la: em relação ao consumo verificado na pesquisa anterior, de 1987, o brasileiro consumiu, no 96 do propalado avanço social, mais 6 gramas de frango por dia.
Se desejar uma idéia desse peso, e portanto de quantidade, você a tem em suas mãos: rasgue esta página pela metade e, se puder, sinta-lhe o peso. É equivalente ao tão glorificado aumento de consumo diário de frango pelos brasileiros, graças aos efeitos sociais do Real e do governo Fernando Henrique Cardoso.
Coincidência: as carnes de primeira e de segunda, também celebradas como novos êxitos, tiveram o mesmo aumento de consumo: 1,5 grama a mais por dia no prato brasileiro. Ou, em peso, um grãozinho de feijão.
O de menos
Não é por doença que Sérgio Motta está internado desde 27 de novembro. Deve ser por esporte. Não o digo por causa de suas sete internações nos últimos anos, três só em 97, mas por dois impulsos caridosos.
Esse pessoal de política vê como um desastre a divulgação de suas mazelas físicas (das morais, nem tanto). Sobretudo quando, além da doença física, está acometido daquela outra que explica as candidaturas. E aconteceu que Sérgio Motta, velho portador de uma estranha crença no entusiasmo do eleitorado por sua figura, decidiu dar-se publicamente como opção para o governo paulista, se Mário Covas não concorrer: "Temos vários nomes, José Serra, eu, Paulo Renato, Emerson Kapaz, Geraldo Alckmin".
A deferência à prioridade de Serra não empalideceu o destaque de "eu" à frente de todos os demais. Fez a jogada num dia e já no seguinte, ploft, pifou. Para maior desgosto seu, os jornalistas aos quais falou não deram maior importância ao autolançamento e o segredo da internação não durou mais de dois dias. Para que lhe dar o desgosto a mais de falar aqui da sua internação?
Já cometi tal imprudência uma vez. Foi há um ano e tanto, creio, quando Sérgio Motta informou que iria a Cuba para um "acordo de interesse mútuo em telefonia". Mas os cubanos nunca tiveram tecnologia para oferecer aos brasileiros nem o bloqueio lhes deixa dinheiro ou cabeça para esses assuntos. Poucos dias depois de sua fala, pude informar aqui o motivo da viagem de Sérgio Motta, que era a consulta a um médico de Havana, porque nada conseguia fechar a incisão feita em sua perna para retirar a safena, usada na sua cirurgia cardíaca.
Sérgio Motta, fiel a um de seus hábitos éticos, procurou a direção da Folha: era invenção o problema na perna, a viagem era para o acordo, minha intenção era xxxx-lo (impublicável, mas nós outros teríamos usado o verbo prejudicar). Não quis, porém, formalizar a contestação, queria só a intriga em busca de uma consequência funcional, sempre pretendida em vão.
Agora aparece, no levantamento de suas internações, este registro: "Em setembro de 95 teve um infarto e foi operado. No mesmo ano, uma úlcera no tornozelo esquerdo agravou os seus problemas circulatórios" (original em "O Globo").
Para que, então, causar à Folha o incômodo de mais queixinhas intrigantes, se entre os males de Sérgio Motta, os físicos são o de menos?
O que é de César
Vêm de tempos imemoriais as advertências contra certas misturas hostis ao organismo. Foi no mínimo irresponsável, por isso, o assessor que escreveu o discurso em que Fernando Henrique, em Londres, propôs a "radicalização da democracia" como meio único de enfrentar os problemas desta época.
Não foi à toa que Fernando Henrique se sentiu mal a meio do discurso. Há três anos se empanturrando de medidas provisórias e de repente metem-lhe na boca uma dose de democracia própria de orador europeu, consumidor diário desse prato.
Não houve vexame, porém, graças à compreensão dos ingleses. Demonstrada, como lhes convém, com o "sense of humour" da comparação entre Fernando Henrique e Júlio César, o mais simbólico dos governantes despóticos, menos por seus feitos do que por sua morte teatral.

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