São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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E o mundo não se acabou

ABRAM SZAJMAN

"Asseguraram e garantiram que o mundo ia se acabar". Esse início de um samba de Assis Valente, cantado por Carmem Miranda nos anos 40, retrata com perfeição a situação do Brasil, transmitida pela mídia, no "day after" da alta da taxa de juros e do anúncio do pacote de ajuste fiscal.
Diante das notícias alarmantes sobre a crise asiática, do suposto crash nas Bolsas do mundo inteiro e do "ataque especulativo" contra o real, milhares de brasileiros foram consultar o mapa para saber onde fica Hong Kong, na tentativa de entender como aquela minúscula ex-colônia britânica poderia afetar seus empregos, seus compromissos financeiros e seu nível de consumo.
O clima de pânico começou a se formar após a alta da taxa de juros, quando se soube que o governo estava preparando um duro pacote "para enfrentar a crise e defender o real".
Pacote. Essa palavra trouxe imediatamente à lembrança pesadelos que o Plano Real tinha prometido sepultar, como o confisco da poupança do governo Collor, o tabelamento, o ágio, a caça ao boi gordo no pasto do Plano Cruzado e assim por diante.
A crise era e continua sendo séria. O real é realmente vulnerável enquanto não estiver alicerçado pelas reformas estruturais do Estado. O governo agiu firme e corretamente para defendê-lo, não apenas com a elevação, infelizmente necessária, de taxas de juros, mas principalmente com as medidas de contenção do déficit público e de estímulo às exportações.
O problema todo foi o formato "pacote". O cristal da confiança da sociedade se quebrou, porque o real foi assimilado e aplaudido pela população, desde o seu início, por ser precisamente o plano "antipacote". Examinando agora com distanciamento as medidas, a maioria com efeito de médio prazo, elas poderiam -e, a nosso juízo, deveriam- ter sido adotadas gradualmente, sem maiores sobressaltos.
Nem o argumento de que o pacote foi necessário para acalmar os investidores estrangeiros se sustenta: as Bolsas brasileiras subiram quando a Câmara aprovou a reforma administrativa e caíram quando quebrou a corretora japonesa Yamaichi.
Em outras palavras, na economia globalizada, apenas as reformas estruturais geram os efeitos positivos para contrabalançar os negativos da conjuntura internacional.
Dessa forma, o medo do pacote trouxe previsões catastrofistas sobre recessão e desemprego, com um efeito paralisante sobre os agentes econômicos, principalmente sobre os consumidores -que, naturalmente, se retraíram, como o cego que se esconde embaixo da mesa quando começa o tiroteio.
Porém, o tempo passou "e o mundo não se acabou", como diz também a letra da música que citamos no começo do artigo. A população trocou o mapa da Ásia pela análise minuciosa do contracheque salarial e do extrato bancário.
Pelas pesquisas da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, que apontam para a retomada das vendas, as pessoas descobriram não apenas que o mundo não tinha acabado, mas que é possível colocar em dia a inadimplência e ter sobras para o consumo, ainda que mais modesto. O Natal deste ano vai ter vendas inferiores às do ano passado, mas essa situação já se desenhava antes da crise e não foi agravada pelo pacote.
Chegamos ao fim de 97 concluindo não apenas que as notícias sobre o fim do mundo foram "exageradas", mas também que temos o que comemorar: o PIB cresceu 3,5%, as Bolsas sairão do ano como o mais lucrativo investimento da praça, a posição das reservas situa-se ainda confortavelmente em patamar superior aos US$ 50 bilhões e o nível de emprego deve mostrar alguma recuperação neste último trimestre.
Então, resta uma última pergunta: teria o "fim do mundo" sido adiado para 98? Tampouco acreditamos nisso. Será um ano difícil, sem dúvida, mas não devemos esquecer, por exemplo, que as taxas de juros já foram maiores -no início de 95, após a crise do México- e nem por isso o consumo despencou.
A Copa do Mundo vem aí e os televisores continuarão a ser vendidos para assistir a ela, porque o comprador observa se as prestações cabem ou não em seu orçamento, dispensando considerações outras de ordem acadêmica ou filosófica.
Em resumo, o governo pode ter tropeçado no pacote, pode ter errado no varejo, mas o país continua no rumo certo no atacado. O esforço coroado de êxito, até agora, para a aprovação da reforma administrativa sinaliza positivamente aos empresários para que retomem os investimentos produtivos.
Se 1998 trouxer também as reformas previdenciária, tributária e o avanço das privatizações, o Brasil poderá comemorar os 500 anos de seu descobrimento como um país maduro, inserido na globalização, sem medo de apocalipses.

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