São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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O fenômeno da próxima década

LUÍS NASSIF

Pode anotar: nos próximos anos, o fenômeno econômico mais relevante do Brasil será a organização das micro e pequenas empresas em torno de consórcios de negócios.
Quem tem olhos para ver, e nariz para farejar, não tem mais dúvida em identificar potencial tão extraordinário nesse processo, que não levará muito tempo para que essa nova ordem passe a imperar na economia.
Tome-se o caso da indústria de sapatos de Birigui -relatado pela coluna. Trinta empresas decidem iniciar trabalho em conjunto, para enfrentar a crise de liquidez de 1995. Definem programas de qualidade, pesquisas junto ao consumidor, investidas sobre o mercado externo e logram, em dois anos, retornar aos níveis de produção pré-crise, e com um futuro muito mais promissor.
Não houve investimento novo, mas apenas um pequeno passo em direção ao trabalho consorciado. No entanto, foi suficiente para conferir uma competitividade insuspeitada ao produto local.
Desafio cultural
O maior desafio será abrir a cabeça do empresário, para que saia do casulo e aprenda a se relacionar com colegas e outros parceiros econômicos.
O que importa é que já existe o ambiente econômico e cultural adequados à proliferação desse modelo. Os personagens desse jogo já estão disponíveis, em grau muito mais amplo do que em qualquer outra fase da história. São eles:
1) Prefeituras e organizações municipais. Há gradativa tendência dos poderes municipais em coordenar políticas empresariais no âmbito de seus respectivos municípios. Experiências como a criação das Agências de Desenvolvimento Local (ADL) -no âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo-, embora em estágio embrionário, têm tido ampla receptividade. Experiências de investimento municipal -como as Empresas de Participação Comunitária (EPCs)- têm se multiplicado por muitos Estados.
2) As novas formas de representação empresarial.
Há mudança flagrante na representação empresarial, mesmo antes do fim da unicidade sindical. Associações de pequenos empresários -como a Confederação dos Dirigentes Lojistas- têm crescido rapidamente, ocupando espaço das velhas organizações getulistas, permitindo a organização de grupos mais homogêneos, voltados para a busca de soluções práticas para seus problemas, e facilitando a adoção de estratégias comuns.
3) Serviços de apoio. Da abertura da economia para cá, proliferou uma boa estrutura de serviços de apoio terceirizados em diversas áreas nas quais a micro e pequena empresa são especialmente carentes -como marketing, design, comércio exterior, gerência, contabilidade etc.
Fenômenos globalizados
Todos esses personagens ainda tateiam na busca de modelos de atuação. Mas esse processo deverá ser acelerado por uma série de fenômenos que vêm ocorrendo com a estabilização e globalização da economia:
1) A entrada das grandes redes varejistas no interior tem estimulado a organização de pequenas empresas, em torno de redes virtuais. O exemplo são as farmácias independentes nas regiões de Araçatuba e Votuporanga que montaram uma rede virtual composta exclusivamente de proprietários, com poder de decisão muito maior do que os gerentes das redes convencionais.
2) A desregulamentação do sistema de preços abriu diferenciais enormes entre os preços praticados pelo grande e pelo pequeno comprador. Esse fenômeno já está levando à formação de centrais de compras, como a montada por supermercados de Jundiaí.
3) A criação de linhas de financiamento para micro e pequenas empresas exigirá sua organização em consórcios, para facilitar o acesso aos canais bancários. Essa exigência funcionará como um poderoso indutor à formação de consórcios de financiamento.
4) A crise da demanda interna, nos próximos meses, transformará o mercado externo em bóia de salvação para parte da indústria. Pequeno não consegue desbravar esse mercado individualmente, o que estimulará a formação de consórcios de exportação.
5) No campo dos valores, aumenta a percepção, em todas as partes, de que nenhum empresário pode se comportar como uma ilha.
O potencial desenvolvimentista e distributivista desse modelo é fantástico. Não depende de investimentos, apenas de organização adequada. É lento, como todo processo social, mas com ampla capacidade de ramificação. Principalmente, ajudará a consolidar definitivamente o conceito de cidadania e da busca de soluções fora do aparato do Estado.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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