São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997 |
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Cada país puxa a brasa para sua sardinha
RICARDO BONALUME NETO
Aquilo que os países colocam na grelha equivale às economias dos diferentes países -algumas são sardinhas, outras são verdadeiras baleias, como a dos EUA, que naturalmente exige muito mais energia para ser "assada". E a própria churrasqueira equivale ao tipo de energia que essas economias consomem. Muitas funcionam com carvão, como as churrasqueiras de verdade; algumas usam energia hidrelétrica ou nuclear. A França, por exemplo, utiliza 75% de energia vinda de reatores nucleares. A maioria dessas economia usa muito petróleo, principalmente porque o transporte urbano depende muito do automóvel. O problema para o planeta são esses chamados "combustíveis fósseis", petróleo, gás natural e carvão, que representam 87% da energia comercialmente produzida no mundo. São fósseis porque vieram da decomposição de animais e vegetais mortos. Todo ser vivo é rico em carbono, o elemento químico fundamental para a vida. Mas, associado ao oxigênio no composto dióxido de carbono, um gás, esse carbono vai para a atmosfera, onde ajuda a reter o calor do Sol. Outros gases, como o metano e o óxido nitroso, também contribuem para esse chamado efeito estufa, pois ajudam a reter o calor -como na cobertura envidraçada do apartamento da analogia. Praticamente todos os cientistas acreditam que o homem está influenciando o clima ao produzir esses gases através de suas atividades econômicas. Mas, assim como existem aqueles que ainda acham que o vírus HIV não é o causador da Aids, há quem diga que esse excesso de carbono não trará problemas para o clima terrestre. Parte importante da polêmica vem da questão econômica associada a um protocolo para redução dos gases-estufa. Ou seja, quem paga a conta por trocar a velha churrasqueira por um modelo ambientalmente correto? Os lobistas americanos do GCC (sigla para Coalizão do Clima Global), associação que reúne 230 mil empresas, reclamam que os custos diminuirão a competitividade da economia dos EUA, forçando o país a investir em tecnologias limpas, mas caras, enquanto os países em desenvolvimento usarão métodos de produção mais sujos, mas menos dispendiosos. Uma estimativa britânica -feita pela equipe da Oxford Economic Forecasting- sugeriu que um corte de 15% das emissões desses gases até o ano 2010, tendo como base o índice de 1990, causaria uma perda de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) dos países europeus e dos EUA. No caso americano, com um produto anual hoje da ordem de US$ 7 trilhões, isso significaria um prejuízo de US$ 105 bilhões -bem mais do que o PIB da maior parte dos países do planeta. Há quem diga que o prejuízo seria ainda maior e mais cedo. Uma empresa de consultoria americana, WEFA, sugere que um corte de 20% nas emissões de dióxido de carbono (o principal gás-estufa) até 2005 faria o produto bruto cair entre 3% e 3,5% -mais de US$ 200 bilhões. E esses são valores de hoje, pois os PIBs em 2005 ou 2010 deverão ser ainda maiores. Os ambientalistas não só criticam essas estimativas, mas sugerem o contrário: que a redução das emissões deverá criar novas tecnologias e novas oportunidades de crescimento econômico. O grupo ambientalista Amigos da Terra reclama, por exemplo, que a estimativa da WEFA foi feita por encomenda de uma associação de industriais americanos. Para os "verdes", esse tipo de estudo parte do pressuposto que a redução dos gases só poderia ser feita através da imposição de um imposto sobre emissões de carbono na atmosfera. E, de fato, essa é uma das principais preocupações dos industriais, não só dos americanos. A associação européia ERT (European Round Table of Industrialists) afirma que como a Europa Ocidental já opera com custos energéticos 40% maiores que em outras regiões do planeta, um imposto ambiental seria altamente prejudicial ao continente. Os militantes da Amigos da Terra em Kyoto se envolveram em uma guerra de comunicados e coletivas de imprensa com o pessoal da GCC. Até fizeram uma eleição para ver quem era o maior poluidor. O GCC ficou em primeiro, com 75 votos. Os lobistas industriais retrucam com uma pesquisa Gallup que indicou que 58% acreditam que os EUA não deveriam assinar um protocolo de reduções exigindo reduções de emissões se países como Brasil, México, China e Índia não fizerem o mesmo. Tem muita gente dando palpite sobre como fazer o churrasco, e isso indica que vai ser muito difícil que Kyoto produza um protocolo ou outro instrumento jurídico que não seja nem letra morta. LEIA MAIS sobre Kyoto á pág. 5-15 Texto Anterior: 2097, mais um Natal glacial em Paris Próximo Texto: 'Diplomatiquês' desafia compreensão Índice |
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