São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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Maria da Conceição

JOÃO SAYAD
AS MENINAS SÃO DIFERENTES DOS MENINOS.

Menina não gosta de jogar bola ou tomar parte em jogos com muitas regras, onde uns ganham, outros perdem. Brinca apenas de "ciranda cirandinha", tem círculo restrito de amigas, a melhor amiga e as meninas que não fazem parte do grupo.
Educadores masculinos consideram as meninas fofoqueiras e complicadas. Aos olhos da cultura machista, as meninas "desenvolvem" mais tardiamente que os meninos as características de personalidade necessárias ao convívio na empresa, no mercado ou na sociedade moderna de indivíduos.
Psicólogos explicam a diferença assim: a masculinidade se define pela separação -a separação da mãe é essencial para a construção da individualidade masculina. Para a menina, a separação não é necessária pois tem o mesmo sexo da mãe. A identidade se constrói a partir do relacionamento e do apego.
As meninas e consequentemente as mulheres se relacionam com pessoas, o outro concreto, com nome, endereço e "curriculum vitae". Meninos e homens tratam com indivíduos, um outro abstrato -eleitor, consumidor ou trabalhador.
O homem consegue separar e abstrair. Pode se tornar desumano.
A mulher tem dificuldade de julgar em abstrato. Cada caso é um caso -depende dos nomes envolvidos, da história, do lugar em que o julgamento será adotado. Aos olhos masculinos, pode parecer injusta.
Muitas mulheres só vencem no mundo dos homens por negar enfaticamente o seu lado feminino. Para vencer, precisam se tornar mais masculinas, no sentido acima, do que os homens.
Miss Thatcher transformou-se na "Dama de ferro". A ex-ministra Zélia e o cruel Plano Collor inventaram a retórica masculina do "agente econômico", abstração cruel e masculina. Um "agente econômico" aposentado morreu na fila do INSS.
No mundo machista, as mulheres vencedoras precisam negar enfaticamente a personalidade feminina, transformando-se em super-homens. Assim como o homem travesti precisa atender as fantasias do homem sobre as mulheres, transformando-se em supermulher.
Só personalidades masculinas podem ser especialistas profissionais que tratam um problema por vez, isolada e abstratamente. O dentista trata dos dentes, o cirurgião plástico, da plástica e o oncologista, dos tumores.
"Precisamos de uma grande recessão para combater a inflação" é uma afirmação abstrata e masculina. Só especialistas homens conseguem falar isso.
Afirmação impessoal, abstrata e cruel, mas são as regras do jogo. Não interessa quem vai ficar desempregado. Será um "agente econômico" que pode ou não acabar com a própria vida.
Leiam a entrevista da professora Maria da Conceição Tavares na revista "Praga" nº 2.
É impossível discutir masculinamente com a professora Maria da Conceição Tavares. Ela não consegue separar as coisas como fazem os homens, particularmente economistas.
Discute como mulher -de forma pessoal, com empatia pelos sofrimentos do desempregado e do mais pobre, revoltada contra os efeitos cruéis desta ou daquela medida.
Sabe como funciona o capitalismo, mas não se conforma. Não está interessada no funcionamento abstrato da economia, mas nas consequências concretas do que está acontecendo, do que se propõe e do que se faz.
Compreende que não adianta ir contra as regras da economia internacional, ou da "banca internacional" como fala. Mas não se conforma com isso, fica indignada. Não assume o papel do especialista que se conforma com o inevitável.
Mulher, a professora e economista não é uma especialista. Tem sempre uma visão global, que mistura economia com política, com história e com absoluta rebeldia contra a ordem das coisas quando é cruel ou imoral.
Depois de ouvir meia dúzia de opiniões em debates ou palestras, não consegue se conter. Explode de ansiedade contra as afirmações técnicas do interlocutor que acaba segurando pela lapela do paletó.
Vale a pena ler a entrevista.
Quem a conhece, sabe que as respostas inteligentes, os diagnósticos sensíveis e as críticas ao pensamento e à política econômica brasileiras estão carregadas de paixão pelo país que escolheu. É entrevista de mulher -empática, apaixonada, indignada e inteira.

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