São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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O FMI precisa de FMI?

JAIRO SADDI

A recente crise mundial financeira tem colocado o FMI, mais uma vez, como o grande personagem que lidera os acontecimentos no concerto mundial.
Fundado em 1947 como uma união internacional de crédito, os objetivos do FMI consistem em promover a cooperação monetária por meio de uma instituição permanente, que ofereça instrumentos para a consulta e para a resolução de problemas internacionais, incluídos objetivos de balanço de pagamentos e estabilidade dos mecanismos cambias.
A estrutura do capital está dividida da seguinte forma: os Estados Unidos têm 18,25% do total, seguidos por Alemanha e Japão, ambos com 5,67%. É o poder patrimonial que determina o poder político; assim, esses três países são detentores de quase um terço do poder de decisão.
As recentes turbulências ocorridas nos mercados do Sudeste Asiático convocaram o FMI como uma espécie de banco central dos bancos centrais, como prestamista de última instância. Em breve, o FMI necessitará de um outro FMI, se quiser continuar a cumprir o seu papel. Vejamos o porquê.
Com um capital de US$ 196 bilhões, sendo uma cota em moeda conversível e outra em moedas nacionais, além de reservas em ouro, o FMI claramente não dispõe de recursos suficientes para atender a todos os países numa situação de calamidade.
Os últimos empréstimos solicitados por Indonésia, Tailândia e Filipinas somaram cerca de US$ 50 bilhões. Apenas com a Coréia do Sul, a ajuda financeira do FMI deve superar folgadamente os US$ 20 bilhões iniciais. Com a Tailândia, outros US$ 17 bilhões. O México recentemente celebrou um empréstimo de US$ 2,5 bilhões.
Enfim, a magnitude das cifras indica que não haverá recursos para todos. Com a política de não permitir que suas reservas fiquem abaixo de US$ 30 bilhões, como noticiou esta Folha, é difícil acreditar que, numa situação de aprofundamento da catástrofe financeira, moedas de vários países possam ser defendidas pelo fundo.
É verdade que o FMI conta com o concurso de outras instituições internacionais de crédito -como o Banco Mundial e o Bird- ou mesmo de entidades regionais multilaterais de crédito, como o Banco de Desenvolvimento Asiático. No entanto, a maior parte dos recursos ainda advém do fundo.
Devemos acreditar que países desenvolvidos estão imunes a um ataque especulativo e que não precisarão de recursos para sustentar suas moedas? A Inglaterra sofreu um desses ataques em 1992, ao sair da União Monetária Européia, e perdeu a aposta. Num cenário desses, é improvável que possam também prescindir de recursos.
Mesmo oferecendo uma taxa de juros mais baixa do que a Libor (4,6% contra cerca de 6%), em troca do compromisso de adotar um programa de austeridade, o FMI já tem seu modelo completamente esgotado.
Em alguns países, o acordo com o fundo é sinônimo de beijo da morte. Em geral, as fórmulas estabelecidas no receituário do FMI sempre se aproximam do conservadorismo monetário ortodoxo: aumento de juros, corte de gastos etc.
Mesmo o Brasil tem esperneado, alegando que não precisa ir ao FMI com o tamanho das reservas que possui: esquece-se de que, hoje em dia, reservas não dão lastros a ninguém, devido ao espantoso grau de volatilidade que apresentam.
Além disso, em países que são obrigados a capitalizar o FMI em momentos de socorro financeiro, como os Estados Unidos, a opinião pública pressiona pelo uso desses recursos de outro modo: por que ir para o FMI se há outro destino a lhes ser dado -finalidades sociais internas, por exemplo?
Por essas e outras razões, brevemente, o FMI estará precisando de um FMI a que ele também possa recorrer. E isso será, a julgar pelo andar da carruagem, necessário. Crises financeiras em países como o Japão -credores por excelência- atestam quão arriscada é a situação atual.
Não se trata de alarmismo inconsequente, mas uma análise superficial da situação atual indica que estamos todos sob o fio da navalha. O universo dos derivativos está estimado em cerca de US$ 50 trilhões, o que reforça a idéia de que os US$ 50 bilhões de reservas do FMI mal dariam para começar a acalmar a tempestade.
Será que a melhor solução é um FMI do FMI? Parece-nos que não. O caminho está na responsabilização cada vez maior dos mercados e em uma regulamentação prudencial, calçada em princípios estáveis e equitativos, que protejam os mercados contra seus próprios agentes.
Somente assim o FMI poderá voltar à sua especialidade original, estabelecida quando de sua criação, em 1944: tornar-se, efetivamente, um fundo para reduzir os desequilíbrios monetários emergenciais.

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